Costa, o seu adjunto e o silêncio dos arrogantes
Só a síndrome de hubris pode explicar o silêncio de Miguel Alves e de António Costa. Ou então não têm nenhuma explicação decente a dar ao país.
As maiorias absolutas felizes são todas iguais, as infelizes são-no cada uma à sua maneira? Não me lembro de nenhuma maioria absoluta feliz em Portugal. Em comum, todas as maiorias absolutas têm um desprezo, que com os anos se vai tornando maior, pelo povo que os elegeu, pelo Parlamento e pela comunicação social, um contrapoder indispensável numa democracia (às vezes é preciso dizer banalidades destas em Portugal, porque a ditadura só acabou há 50 anos, um tempo minimal em História). Basta recordar o tempo do cavaquismo, os anos Sócrates e o governo da troika Passos/Portas para os exemplos abundarem. Mesmo quando não andava a “mercadejar” o cargo, Sócrates funcionava como um Luís XIV de trazer por casa e tinha na cabeça a frase “L’État c’est moi”.
O silêncio do secretário de Estado adjunto do primeiro-ministro, Miguel Alves, sobre as suspeitas levantadas pelo PÚBLICO há mais de uma semana são um escândalo, como já aqui escreveu João Miguel Tavares. Só uma desequilibrada arrogância pode explicar que o braço-direito do chefe do Governo decida remeter-se ao silêncio quando confrontado com factos bastante duvidosos ocorridos no tempo em que era presidente da Câmara de Caminha.
Obviamente, Miguel Alves – que é arguido num segundo processo, como o Observador revelou este sábado – não toma esta posição sem a absoluta concordância do primeiro-ministro. E aos costumes Costa disse nada, remetendo para a célebre frase “à política o que é da política, à justiça o que é da justiça”. É o chamado “gozar com o pagode”. É fácil em Portugal gozar com o pagode porque a sociedade civil é frágil, os partidos vivem aterrorizados de medo em falar de assuntos que possam envolver favorecimentos (a menos que, para alguns deles, a corrupção esteja localizada em Angola) e o sonho de qualquer responsável político é esperar pelo esquecimento. Ética republicana, uma ova (estou a citar muito João Miguel Tavares).
Já uma vez falei aqui do livro de David Owen, um antigo ministro dos Negócios Estrangeiros do Reino Unido, médico, que publicou um ensaio sobre o efeito do poder nos neurónios. Lord Owen e o seu colega Jonathan Davidson estudaram “a síndrome de hubris”, a partir da análise dos comportamentos de políticos dos Estados Unidos e do Reino Unido nos últimos 100 anos. Na verdade, os traços da hubris (alguns podem ser confundidos com os da desordem de personalidade narcisista) são a “impetuosidade, recusa de ouvir os outros ou ser aconselhado e uma particular forma de incompetência quando predomina a impulsividade, a imprudência e a frequente desatenção aos detalhes”. Dizem os autores que tudo isto pode resultar numa “liderança desastrosa e causar prejuízos em larga escala”.
Só a síndrome de hubris pode explicar o silêncio de Miguel Alves e de António Costa. Ou então não têm nenhuma explicação decente a dar ao país.
P.S. Faço parte daquela geração que se fez adulta a ler e a ouvir os comentários do “Prof.” Marcelo. Lembro-me de estar a dar de mamar ao meu miúdo, há 28 anos, e não querer passar sem ouvir “As notas do Prof. Marcelo” na TSF aos sábados de manhã. Marcelo era um analista inteligente, muito divertido e imperdível. Mas o que se passou na Trofa este sábado, com as bocas a uma futura candidatura presidencial de Marques Mendes e o “não lhe perdoo” dirigido à ministra da Coesão, é mais um episódio em que o comentador “fogoso” (para usar o adjectivo que Marcelo dirigiu a Marques Mendes) está a sobrepor-se ao Presidente da República. Uma coisa é ser o Presidente dos afectos, outra é ser o Marcelo comentador permanente de vários órgãos de comunicação social. Há uma crise na Presidência da República no momento em que mais precisávamos dela.