Constituição: o que propunham Passos Coelho e Rui Rio na revisão da lei fundamental

A direcção do PSD de Luís Montenegro está a preparar um projecto de revisão constitucional a entregar no parlamento na sequência do processo desencadeado pelo Chega. Já há um histórico no partido.

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Rio sempre defendeu uma revisão constitucional, mas só a apresentou quando já estava de saída da liderança Paulo Pimenta

O PSD liderado por Luís Montenegro vai apresentar na próxima semana um projecto de revisão constitucional, depois de os textos elaborados pelos ex-presidentes Rui Rio e Passos Coelho nunca terem chegado a ser votados, embora por razões diferentes.

Em Julho de 2010, o PSD de Pedro Passos Coelho avançou com um projecto de revisão constitucional abrangente - alterava 76 dos 296 artigos da Constituição, revogava 25 e acrescentava quatro - e, apesar de ter sido recebido com muitas críticas à esquerda, acabou por levar os restantes partidos com assento parlamentar a apresentarem propostas.

No entanto, devido à dissolução do parlamento em Abril de 2011, a comissão de revisão da Constituição acabou suspensa em Março -- a discussão ainda ia no artigo 35.º - e o processo não foi novamente retomado pelo Governo PSD/CDS-PP que se seguiu, num período em que o país esteve sob intervenção externa da “troika”.

O PSD propunha então, por exemplo, retirar da Constituição a expressão “sem justa causa” na parte relativa à proibição dos despedimentos, substituindo-a por “razões legalmente atendíveis”, bem como excluir a expressão “tendencialmente gratuito” no que respeita ao Serviço Nacional de Saúde (SNS) e pôr fim à obrigação do Estado de “estabelecer progressivamente a gratuitidade de todos os graus de ensino”.

Aumentar o mandato presidencial de cinco para seis anos e a legislatura de quatro para cinco sessões legislativas, criando a figura de moções de censura construtivas; alargar as competências do Presidente da República e criar o Conselho Superior da República eram outras das propostas do PSD. Esse Conselho seria um órgão de consulta obrigatória para efeitos de nomeação do procurador-geral da República, dos membros da direcção de entidades administrativas independentes e de gestores públicos e teria também como missão receber e controlar as declarações de rendimentos dos titulares de funções políticas e de outros cargos públicos.

Em 2010, os sociais-democratas pretendiam ainda retirar da Constituição o artigo que condiciona o “efeito vinculativo” dos referendos a uma participação eleitoral superior a 50% dos eleitores inscritos e introduzir na Lei Fundamental a criação de regiões piloto, admitindo ainda o fim do serviço público de televisão e rádio.

Nos meses de reuniões que se seguiram, PSD e PS até convergiram pelo menos num ponto, mas que nunca chegou a ser votado e que voltou à ordem do dia uma década mais tarde, devido à pandemia de covid-19: os dois partidos manifestaram um princípio de acordo para restringir a liberdade dos portadores de doenças graves contagiosas.

A proposta de Rio

Em 2014, os deputados do PSD eleitos pela Madeira entregaram um projecto de revisão constitucional, chumbado por unanimidade (incluindo pela sua bancada), e em 2018, pouco depois de assumir a liderança do PSD, Rui Rio anunciou a intenção de alterar a Lei Fundamental, sobretudo para fazer uma reforma da justiça “a sério”.

Mas só em Julho do ano passado ficaram prontas as linhas gerais do anteprojecto do PSD, que foi coordenado pelo ex-líder parlamentar Paulo Mota Pinto, e que deveria ter sido entregue no parlamento na sessão legislativa seguinte, o que não aconteceu devido ao chumbo do Orçamento do Estado e à dissolução da Assembleia. No entanto, o projecto ficou em segredo até este ano.

Rui Rio ainda manifestou intenção de formalizar a sua entrega no parlamento na actual legislatura, em Maio, em plena campanha interna, mas um dos candidatos à liderança do PSD, o actual presidente, Luís Montenegro, opôs-se.

Nessa altura, o articulado chegou a ser enviado aos deputados e, em mais de 60 páginas, anunciava querer alterar 127 dos 296 artigos da Constituição, eliminar mais de 30 e reorganizar capítulos inteiros da Lei Fundamental.

As principais alterações passavam pela redução do limite máximo de deputados de 230 para 215, a introdução da limitação de mandatos para todos os cargos políticos (incluindo deputados), a alteração da duração das legislaturas de quatro para cinco anos e dos mandatos do Presidente da República de cinco para seis (mantendo-se a possibilidade de dois consecutivos), numa proposta que reforçava os poderes do chefe de Estado, que passaria a marcar a data de todas as eleições, autárquicas incluídas.

Neste texto, propunha-se a introdução de “um limite plurianual de endividamento público” na elaboração do Orçamento do Estado e a possibilidade de ser decretado o estado de sítio ou emergência por razões de saúde pública, em termos a fixar numa lei de emergência sanitária.

Ainda para resolver problemas jurídicos colocados durante a pandemia, incluía-se na lista de razões que permitem a privação de liberdade o confinamento ou internamento por razões de saúde pública “decretado ou confirmado por autoridade judicial competente”.

A direcção de Rio queria ainda fixar na Constituição que as leis sobre regiões administrativas exigiam uma aprovação por maioria de dois terços no parlamento (mantendo-se a obrigatoriedade de referendo) e substituir, no artigo relativo à liberdade de associação, a proibição de organizações “que perfilhem a ideologia fascista” por “que perfilhem ideologias totalitárias”.

Mantinha-se inalterado quer o preâmbulo, quer o artigo da Constituição relativo ao direito à protecção da saúde - que gerou polémica num debate pré-eleitoral entre o líder do PS, António Costa, e Rui Rio -, continuando a Constituição a referir que o SNS é “tendencialmente gratuito”.

Já na educação, os sociais-democratas queriam acrescentar o ensino secundário “universal, obrigatório e gratuito” (até agora apenas está inscrita na Constituição essa obrigação para o ensino básico), bem como a criação de “um sistema público” de educação pré-escolar.

Na organização política, introduzia-se a possibilidade de se determinar como sanção para crimes cometidos por titulares de cargos políticos a inelegibilidade para cargos e que o Presidente da República passasse a nomear o governador do Banco de Portugal, os presidentes das entidades reguladoras e a designar dois juízes do Tribunal Constitucional (retirados aos actualmente indicados pelo parlamento).

Este texto alterava ainda alguns prazos eleitorais - diminuindo de seis para três meses o período em que é vedada a dissolução da AR - e introduzia na Constituição a possibilidade de não deputados integrarem comissões parlamentares de inquérito ou outras com competências na área da transparência e ética.

A proibição de “nomeações definitivas por governos de gestão”, a alteração da composição dos Conselhos Superiores do Ministério Público e da Magistratura (com maioria de não-magistrados) e a possibilidade de coincidência de referendos com eleições (acabando a obrigação de participação mínima de metade dos eleitores recenseados para ser vinculativo) eram outras das alterações propostas.

Na quinta-feira, a direcção do PSD assumiu estar a preparar um projecto de revisão constitucional a entregar no parlamento na sequência do processo desencadeado pela iniciativa já formalizada pelo Chega, e que está a ser trabalhado por uma equipa coordenada pelo professor universitário e antigo ministro Miguel Poiares Maduro.

O projecto do PSD só deverá ser conhecido no final da próxima semana, depois de debatido e votado na Comissão Política e Conselho Nacional do partido, com reuniões marcadas para a próxima quinta-feira.