Fui detida por me colar à Galp, vou ser acusada. E as petrolíferas?

Não posso, nem vou, ficar parada. Recuso-me a deixar que decidam o rumo da minha vida e condenem o meu futuro. Por isto, fui tratada como uma criminosa. Pergunto-me, então: onde está o Andy Brown?

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Greve climática Reuters/ISSEI KATO

Passar horas a fio numa cela apenas com a companhia de quatro paredes brancas que me cercavam oferece algum tempo à reflexão. No dia 17 de Outubro, em protesto frente à sede da Galp no âmbito da campanha Gás é Andar Para Trás, lado a lado com dezenas de pessoas, eu colei-me à porta principal. Este acto carrega algum simbolismo, além da perturbação do normal funcionamento das coisas; significa que não serei facilmente retirada, que não me podem ignorar, que vão ter de me levar a sério. A razão para tal acto é muito simples: estamos em crise.

Por um lado, estamos em plena crise energética que este Inverno vai afectar centenas de famílias por toda a Europa e que está a provocar a subida dos preços de praticamente todos os bens de consumo. Subida esta que está a desencadear, por sua vez, uma crise de aumento de custo de vida e que está a deixar milhares de pessoas em situação de pobreza. Por outro lado, enfrentamos a maior crise que a Humanidade já enfrentou: a crise climática.

O relatório da ONU da última semana aponta que não há nenhum plano para ficarmos abaixo dos 15 ºC, e que a única forma de evitarmos as piores consequências é uma transformação rápida da sociedade. O termo certo é este: estamos em crise. Uma crise com uma escala demasiado inconcebível para a nossa mente. O que não podia falhar está a ceder. Até agora, perante as adversidades, os sistemas foram capazes de se adaptar e desenvolver, mas, neste momento, o próprio chão colapsa debaixo dos nossos pés e parece não haver solução à vista sob o sistema capitalista a não ser o colapso.

Perante a imensidão do problema com que nos deparamos, procuramos naturalmente uma causa para estes efeitos. A verdade é que, no meio destas crises, as empresas fósseis são o principal alvo a apontar e estão a lucrar brutalmente com este colapso climático e civilizacional pelas quais são directamente responsáveis. Não é por acaso que este foi o ano mais lucrativo, de sempre, para a Galp, atingindo 608 milhões de euros em lucro entre Janeiro e Setembro, um aumento de 86% relativamente ao período semelhante do ano passado.

Em contraste, as pessoas são obrigadas a roubar latas de atum dos supermercados para comer. A relação entre os dois é clara: os elevados preços dos combustíveis são responsáveis por 90% do aumento dos custos médios da geração de electricidade a nível global, sendo o gás responsável por mais de 50% deste aumento, diz o relatório da Agência Internacional de Energia. Num contexto de guerra na Europa onde a incerteza nos acompanha todos os dias, vemos tão claramente como nunca a necessidade de realizarmos uma transição energética e quebrar a dependência que temos dos combustíveis fósseis, nomeadamente do gás. Porém, aquilo que vemos é que os nossos governos, em vez de olharem para esta instabilidade como uma oportunidade para fazer a transição energética de gás fóssil para energia limpa, escolhem continuadamente deixar-nos viciados neste sistema. Como exemplo perfeito, temos o projecto de expansão do porto de gás em Sines, de forma a tornar Portugal a porta de entrada do gás na Europa.

Perante todas estas evidências não posso, nem vou, ficar parada. Recuso-me a deixar que decidam o rumo da minha vida e condenem o meu futuro. Por isto, fui tratada como uma criminosa; por isto, fui detida, levada e posta numa cela. Pergunto-me, então: onde está o Andy Brown, o presidente-executivo da Galp? E os accionistas? O dia-a-dia que hoje vivemos não pode continuar, a normalidade tem de ser interrompida – e isto não se trata de pequenas mudanças de hábitos individuais, mas de uma profunda mudança sistémica. Colei-me à sede da Galp porque estamos a correr contra o tempo e a comportar-nos como se estivesse tudo bem. Não está. Estamos em crise e ninguém está a ter a reacção apropriada. Fi-lo porque o custo de não fazer nada é imensamente pior. Fi-lo porque ninguém o vai fazer por nós.

É com esta mesma motivação que os estudantes por todo o mundo irão, a partir de Novembro, ocupar as suas escolas e universidades e exigir o fim aos combustíveis fósseis. A única forma de realizar uma transição energética e salvar a civilização é acabar com os fósseis, a proposta concreta e real que tem escapado por entre os dedos dos governos e instituições. Entendemos que temos de ser nós a fazê-lo, porque ninguém o fará por nós. O Governo não fará, e a Galp não o fará. A Galp não vai parar e, enquanto houver possibilidade de lucro, os seus accionistas não terão o discernimento de dar um passo atrás, mesmo que isso implique o agravamento de todas as crises que estamos a passar. É simples: em plena crise climática, energética e de aumento de custo de vida, uma petrolífera não pode ter lucros de milhões.

Confinada a quatro paredes, ponho-me a pensar no porquê de estar ali encarcerada. E porquê? Por exigir o futuro ao qual tenho direito. Por querer lutar pelo bem da minha família, dos meus amigos. De tudo o que é são e bom neste mundo. Por querer lutar contra as injustiças que acontecem todos os dias. Não somos também parte deste mundo? Fui detida por estar a lutar pela minha vida, pela nossa vida. Esta luta está aqui, mesmo que a escolhamos ignorar. Vivemos neste sistema há tanto tempo que o seu poder parece inescapável, mas não é. Um novo paradigma é possível, e pelo nosso bem e de tudo o que nos é querido, temos de mudar o sistema, de uma vez por todas.

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