A propósito de Kanye West: doença bipolar, a doença dos exageros
Estes estados de ânimo levam as pessoas a ter atitudes agressivas e conflitos com os outros, incluindo amigos e/ou familiares.
A doença bipolar foi antes designada de “psicose maníaco-depressiva” (Kraepelin) e ainda antes, por “loucura de dupla forma” (Baillarger) .
Estas denominações remetem-nos para uma característica essencial que é a de existirem, nesta doença, ciclicamente (alternadamente ou simultaneamente):
a) Sintomas de mania — humor anormalmente elevado, expansivo ou irritável de forma persistente, aumento da auto-estima, sensação de maior energia, agitação, discurso mais rápido e mais duradoiro que o habitual frequentemente com fuga de ideias e muitas vezes com comentários hostis ou desapropriados.
b) Sintomas de depressão — tristeza extrema, perda de interesse nas atividades até aí vividas como indicadoras de algum tipo de realização ou prazer, cansaço, dificuldades de concentração e de memória, alterações do sono e por vezes, pensamentos de morte.
Estes estados de ânimo não são normais mas antes exagerados, seja no contexto pessoal ou sociocultural e sobretudo são desaptativos,
Nos estados de mania (euforia extrema), ainda que o doente se possa sentir com capacidades ou poderes especiais ou com ligações ao divino privilegiadas, a incoerência das ideias, a incapacidade de manter a linha do pensamento, a intolerância perante alguma oposição, a perda de comportamentos compatíveis com as normas sociais e mesmo a frequente hostilidade, levarão à exaustão e a comportamentos que podem por em causa a vida.
Estes estados remetem o doente a um maior isolamento e, muito frequentemente levam estas pessoas, a ter atitudes agressivas e conflitos com os outros, incluindo amigos e/ou familiares.
Estes, por sua vez, nem sempre aceitam posteriormente a “desculpa” de que o comportamento, hostil ou desadequado, se deveu a uma doença. Desta maneira frequentemente os doentes bipolares “estragam” amizades e ligações afetivas importantes.
Para aqueles que reconhecem haver nas alterações de ânimo referidas algo de patológico, o doente passará muito frequentemente, a ser considerado um “doente” no significado mais prejudicial do termo o que põe em causa relações de confiança essenciais quer no mundo afetivo quer no mundo laboral. Desta forma tais doentes podem vivenciar o isolamento do estigma.
Contudo, vale a pena referir que quer no início do episódio maníaco, quer na hipoamania (estado mais moderado de mania e que não apresenta características psicóticas), a pessoa sente-se mais “viva” (com vivências preceptivas mais intensas) com maior velocidade de pensamento, maior associação de ideias e mais energia.
A maior autoestima e o otimismo típicos deste estado levam a pessoa a um estado “de graça” e prazeroso que mais tarde (quando a depressão surge) a levam a desejar que se repita. Este fenómeno é frequentemente o responsável pelo abandono do tratamento por partes destes doentes.
Vem a propósito referir que nas pessoas cuja atividade esteja muito ligada à criatividade e menos ao raciocínio lógico (como acontece particularmente no mundo das artes), os estados de hipomania podem levar a obras excecionais. Muitos artistas célebres têm sido referidos como portadores da doença bipolar, o caso talvez mais conhecido é o do pintor Van Gogh.
Muitas vezes, a doença bipolar torna as emoções e a expressividade superlativas o que leva a acontecerem obras geniais.
É possível que a vivência de estados anímicos característicos da doença bipolar (como os referidos) de euforia extrema e de depressão grave possam “encaminhar” a pessoa para certas atividades onde a emotividade e a afetividade são particularmente importantes. Talvez seja essa a razão por que é no mundo artístico, muito mais do que no científico, que encontramos exemplos de doença bipolar.
O autor escreve segundo o Acordo Ortográfico de 1990