Troca de acusações domina último debate entre Bolsonaro e Lula
Bolsonaro defendeu as suas medidas direccionadas para a população mais pobre, enquanto Lula tentou surpreender o actual Presidente com o tema do aborto.
O derradeiro debate entre Jair Bolsonaro e Lula da Silva não produziu surpresas relevantes face ao padrão já conhecido. Acusações mútuas de mentira, corrupção e má governação deixaram pouca margem para a apresentação de propostas concretas.
O formato do debate, dividido entre blocos livres e blocos com temas pré-definidos, deixou os dois candidatos praticamente sem moderação e, sem surpresas, o tom foi de ataques constantes. Cada um dos candidatos tentou direccionar mensagens para os sectores que ainda ambicionam atrair. No caso de Lula, os eleitores evangélicos, e, para Bolsonaro, os brasileiros mais pobres, as mulheres e os habitantes do Nordeste.
Lula chegava ao debate com a missão de gerir a vantagem fornecida pelas sondagens e que se estabilizou ao longo da última semana, enquanto Bolsonaro precisava de criar algum facto favorável que lhe permitisse contrariar a torrente de notícias negativas dos últimos dias. A reacção violenta do ex-deputado federal Roberto Jefferson, aliado de Bolsonaro, e inúmeras declarações mal recebidas por parte do actual Presidente travaram o ímpeto de crescimento das primeiras duas semanas de campanha após a primeira volta.
Grande parte do debate girou em torno das medidas de combate à pobreza, um tema que habitualmente é favorável a Lula, mas que é vital para Bolsonaro conseguir melhorar a sua imagem junto do eleitorado mais desfavorecido. A prioridade, para o Presidente brasileiro, foi traçar a diferença entre o valor médio do Auxílio Brasil e do Bolsa Família, instituído pelos governos de Lula.
“Demos o auxílio emergencial, gastamos o equivalente a 15 anos de Bolsa Família”, declarou Bolsonaro. Lula não negou a diferença no valor, mas disse ser errado comparar as duas medidas. “O Bolsa Família fazia parte de um conjunto de políticas públicas que fizeram com que a economia brasileira vivesse um dos melhores períodos da história”, explicou.
Os dois candidatos também trocaram argumentos acerca da situação da pobreza no Brasil. Lula referiu a subida do número de brasileiros com carências alimentares graves, mas Bolsonaro utilizou dados do seu Governo para garantir que a pobreza extrema diminuiu durante o seu mandato.
Uma novidade no debate que foi transmitido pela TV Globo foi a utilização do caso de Roberto Jefferson, que marcou a última semana de campanha. Tanto Lula como Bolsonaro tentaram colar o ex-deputado ao seu adversário. “O seu modelo de cidadão pacífico é o Jefferson, atirando contra a Polícia Federal”, afirmou Lula. Bolsonaro reafirmou que o ex-deputado não é seu amigo nem aliado e voltou a chamá-lo de bandido. “Jefferson é teu amigo de roubalheira e de compra de votos”, afirmou, referindo-se ao escândalo do Mensalão.
Bandidos e mentirosos
Lula tentou surpreender Bolsonaro num terreno que lhe é mais favorável ao citar um discurso dos tempos em que era deputado federal e defendeu a distribuição de pílulas do dia seguinte, com o objectivo de ligar o actual Presidente a posições pró-aborto. Bolsonaro defendeu-se, esclarecendo que as pílulas do dia seguinte não são o mesmo que medicamentos usados para a interrupção da gravidez, e acusou Lula de ser a favor do aborto.
O tema é fundamental para os dois candidatos na sua procura por votos do eleitorado evangélico. Durante a campanha eleitoral, Lula publicou uma carta com vários compromissos na área dos costumes, incluindo uma garantia pública de que é contra o aborto.
Ao longo do debate, Bolsonaro recorreu frequentemente às acusações de corrupção contra Lula e os seus governos, à semelhança do que tem feito ao longo da campanha, mas, ao contrário de outras ocasiões, desta vez não se referiu ao seu adversário como “ex-presidiário”.
“Você foi ‘descondenado’ por um amigo do STF [Supremo Tribunal Federal], você é um bandido”, acusou Bolsonaro, referindo-se à anulação das condenações contra Lula por corrupção no âmbito da Operação Lava-Jato. O ex-Presidente, desta vez, não tentou fugir ao assunto, disse ter sido julgado por “um juiz mentiroso” e apresentou-se como alguém “idóneo”. Além disso, atirou a Bolsonaro as várias suspeitas que pendem sobre os seus filhos, como o caso das “rachadinhas” e o da compra em dinheiro vivo de 51 imóveis.
As declarações finais dos dois candidatos serviram para evidenciar as estratégias com que ambos se apresentam perante os 156 milhões de brasileiros que no domingo vão escolher o Presidente da República. Lula voltou a apostar na memória afectiva dos anos do seu governo, em contraponto com o momento actual. “A cultura funcionava, a educação funcionava, o povo trabalhava, o salário aumentava”, declarou.
Bolsonaro defendeu que a eleição não se resume à escolha do chefe de Estado, mas sim do “futuro do país”. “Se vivemos em liberdade ou não, se será respeitada a família brasileira, se o aborto irá continuar a ser proibido ou não; não queremos a liberação das drogas no Brasil”, afirmou.