Boris Johnson e Liz Truss: Porquê citar os clássicos quando se abandona o cargo?

Séneca e Cincinato foram os antigos romanos escolhidos nas despedidas de ambos da residência oficial dos chefes de Governo britânicos, em Londres.

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Liz Truss depois de anunciar a sua demissão Reuters/HANNAH MCKAY
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Boris Johnson governou durante três anos Reuters/HENRY NICHOLLS

Aparentemente, citar filósofos e políticos da Roma Antiga está na moda entre os primeiros-ministros britânicos que saem da residência oficial do nº10 da Downing Street, em Londres.

Primeiro, Boris Johnson. Depois, Liz Truss.

Johnson, nas suas declarações de saída, feitas há algumas semanas, comparou-se, de forma favorável, a Lúcio Quíncio Cincinato, que foi general, cônsul e por um certo período, ditador romano, por determinação do senado, e que morreu à volta do ano de 43 a.C..

“Como Cincinato, vou voltar para o meu arado”, declarou, durante o seu último discurso enquanto primeiro-ministro britânico e antes de entregar a sua demissão à rainha Isabel II.

A comparação suscitou muita confusão nas redes sociais, levando a um aumento repentino de pesquisas no Google pela palavra “Cincinato”, seguido de interpretações de comentadores que consideram que a referência pode significar que Boris Johnson pode ser tirado da sua reforma forçada para servir novamente, como aconteceu com o político romano.

Depois, foi a vez de Liz Truss, que citou o filósofo romano Séneca.

E os britânicos, preocupados com o aumento das contas do gás e da electricidade neste Inverno, no qual se prevê uma recessão, foram à Wikipédia ler a resposta à grande questão: “Mas quem é Séneca?”

Falando à porta da residência de Downing Street, Liz Truss, cujas seis semanas no cargo a tornam na governante britânica com o mandato mais curto de sempre, desejou “todo o sucesso” ao seu sucessor e, logo de seguida, foi aos romanos.

“Estou mais convencida que nunca que precisamos de ser corajosos e de enfrentarmos de frente os desafios”, declarou Truss. “Como escreveu o filósofo romano Séneca: ‘Não é por as coisas estarem difíceis que nós não arriscamos. É por não arriscarmos que as coisas estão difíceis’”, acrescentou

Infelizmente, como muitos notaram, Truss gaguejou nas palavras “filósofo”, “romano” e “Séneca”. No Twitter, correram observações de que Truss não parecia familiarizada com o assunto.

Esta citação não é pura coincidência. “Bastante ‘Johnsoniano’, até citou o filósofo romano Séneca”, comentou Beth Rigby, editora de política da televisão britânica Sky News.

Ambos os políticos ou, pelo menos, aqueles que lhes escrevem os discursos, aparentaram dizer a uma parte muito pequena da audiência que podem ter tido mandatos de curta duração, mas que foram mandatários cultos e que encontraram conforto na sabedoria (ou talvez nas banalidades reconfortantes) dos antigos.

Boris Johnson tirou o curso de Estudos Clássicos na Balliol College na Universidade de Oxford. Já Liz Truss estudou Filosofia, Política e Economia na Merton College, também em Oxford.

Johnson foi primeiro-ministro ao longo de três anos, antes de ter sido empurrado pelo seu próprio partido, por ter sido desonesto. Já Liz Truss foi primeira-ministra durante seis semanas, antes de ser empurrada pelo próprio partido, pela sua incompetência.

E, aqui acabam as semelhanças... Mais ou menos.

Johnson adorava temperar o seu jornalismo e, depois, os seus discursos políticos, com bocados de latim macarrónico e referências clássicas. Juntamente com o seu cabelo loiro e cuidadosamente desgrenhado, esta é uma característica da sua personagem de génio excêntrico, mas adorável com o seu fato amarrotado.

Liz Truss nunca teve as capacidades de encenação de Johnson, sendo conhecida por ser uma oradora monótona, um copo de água da torneira comparada com Johnson, que, comparado, é uma vibrante água com gás Pelegrino. No entanto, a ex-primeira-ministra não sairia sem tentar.

Mary Beard, a conhecida classicista de Oxford, publicou no Twitter, em Setembro: “Se estiverem curiosos sobre a referência a Cincinato por Boris Johnson no seu discurso de despedida: foi um político romano que salvou o estado de uma invasão e depois, com o trabalho feito, regressou à sua quinta (‘ao seu arado’).”

“Também foi um inimigo do povo”, reparou ainda a classicista.

Na terça-feira, depois das declarações de Truss, Mary Beard comentou novamente na mesma rede social: “Pergunto-me se a nossa primeira-ministra demissionária terá lido o resto da Carta de Séneca nº104, da qual citou uma frase?”, acrescentando ainda que a outra mensagem desta carta era para se “ter cuidado com a ambição!”


Exclusivo PÚBLICO/The Washington Post
Tradução: André Certã
Edição:
Bárbara Wong

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