E eu que até sei de um psicólogo que vai ao psicólogo?
Já o disse noutros fóruns e repito: enquanto nos for atribuído apenas um médico de família e não também um psicólogo, estamos a léguas.
Se há coisa que se pretende com a criação de um mês dedicado à saúde mental (Outubro) e de um dia que lhe é inteiramente dedicado (10 de Outubro) é precisamente que este seja um tema que chegue à consciência de todos. E assim parece estar a conseguir-se. Bom, consciência talvez seja uma palavra forte (quem nos dera a nós que a ganhássemos!) mas pelo menos atenção tem recebido.
Na mesma semana em que se celebrou o dia Mundial da Saúde Mental, a artista Maro revela encontrar-se em estado de burnout, a cantora Carolina Deslandes declara a segunda ida ao hospital por exaustão, a actriz Vera Kolodzig reflecte publicamente sobre a importância da psicoterapia no seu caminho, a animadora de rádio Rita Rugeroni anuncia a sua saída da Comercial para garantir a sua saúde mental e até mesmo a actriz Rita Pereira, mesmo sem querer, levanta discussão sobre um tema que impede tantas pessoas de procurar companhia para o seu caminho: a crença (neste caso, uma distorção) de que só somos verdadeiramente compreendidos por pessoas com a mesma história de vida e experiências. Que caminho ainda temos a percorrer na desconstrução destas ideias!
Foi também nesta semana em que a saúde mental andou na boca do mundo (melhor dizendo, de polegar em polegar em sucessivas partilhas) que centena e meia de pessoas se uniu à missão do Instituto Belong e caminhou pela saúde mental.
O único critério de inclusão nesta caminhada era mesmo este: a consciência absoluta da importância de cuidarmos da nossa saúde mental, do fundamental que é trilharmos estes caminhos sinuosos acompanhados, da urgência de se repensarem as medidas do governo de apoio e acesso aos serviços de saúde mental.
Uma sociedade em que os seus membros se arrastam pelos dias, que cerram os punhos e os dentes frente a filhos exercendo o cargo de crianças, que sufocam as lágrimas sentados a secretárias de trabalhos que não os realizam ou que se esgotam em trabalhos de sonho mas que obrigam a um ritmo que não é compatível com a sobrevivência humana, é uma sociedade doente. DOENTE.
Já o disse noutros fóruns e repito: enquanto nos for atribuído apenas um médico de família e não também um psicólogo, estamos a léguas. Enquanto um “não penses tanto nisso, pensa positivo” for a receita para os fantasmas que nos assombram, estamos a léguas. Enquanto as angústias dos pais que somos forem amparadas com um “é uma fase”, estamos a léguas. Enquanto a frase que dá o título a este texto me for repetida em tom de “imagine só”, estamos a léguas. Enquanto só quem puder pagar uma consulta no privado para não esperar dois meses por uma consulta de psicologia após uma tentativa de suicídio é que tem a ajuda que precisa, estamos a léguas.
Enquanto tudo isso, procuremos diminuir as léguas entre nós. Olhemos, cuidemos, não tenhamos medo de perguntar, tenhamos menos medo ainda de ouvir a resposta, arrisquemos as mudanças que nos estão a ser pedidas, afinemos os nossos ouvidos para o que o corpo nos comunica.
A equipa Belong é muito clara no desafio que deixa: de que nos serve sermos famílias a chegar alto se iremos ficar pelo caminho antes de conseguirmos chegar longe e continuarmos com medo de chegar fundo?