Quando nos sentimos invisíveis aos olhos dos nossos pais
As castanhas estão já ai, com as suas carapaças de picos de que saem a brilhar. De escondidas, passam a ser vistas.
Querida Mãe,
Eu sei que ser avó é espectacular e que os netos vos rejuvenescem e trazem alegrias que (ler em tom de birra ciumenta) aparentemente nós, os filhos, não vos demos, mas... Venho reivindicar o meu lugar. De filha.
Começa na gravidez quando fazemos anos e, de repente, só recebemos presentes para o enxoval. Continua quando vos vamos dar um beijinho e a vossa cara já está encostada à nossa barriga.
Mantém-se quando entramos com um recém-nascido nos braços, ansiosas por um bocadinho de companhia e, antes mesmo de nos dizerem “olá”, já nos tiraram o bebé do colo enquanto gritam “Vai descansar, filha, vai, que precisas!”. E ficamos paradas, a meio da entrada, com lágrimas nos olhos porque aquilo de que precisávamos era de uma conversa de mãe e filha, e não de ficar num quarto sozinhas!
Pois é, há momentos em que nos sentimos um bocadinho invisíveis aos olhos dos nossos pais. Como se fossemos um brinquedo antigo, substituído por um novo.
Querida Ana,
É tempo de irmos apanhar castanhas. Só as duas.
Quando vocês eram pequeninos e eu trabalhava mega intensamente, havia um momento em que sentia que andava a trocar as minhas prioridades todas. Sentia, de repente, umas saudades insuportáveis de estar convosco, de vos ver, e dava a volta à minha agenda para abrir uma clareira para irmos apanhar castanhas pelos caminhos da serra de Sintra. Servia como um antídoto para o veneno da invisibilidade.
As castanhas estão já ai, com as suas carapaças de picos de que saem a brilhar. De escondidas, passam a ser vistas.
Queres vir apanhar castanhas comigo?
O Birras de Mãe, uma avó/mãe (e também sogra) e uma mãe/filha, logo de quatro filhos, separadas pela quarentena, começaram a escrever-se diariamente, para falar dos medos, irritações, perplexidade, raivas, mal-entendidos, mas também da sensação de perfeita comunhão que — ocasionalmente! — as invade. E, passado o confinamento, perceberam que não queriam perder este canal de comunicação, na esperança de que quem as leia, mãe ou avó, sinta que é de si que falam.