Isenção ou redução do IRS chega aos salários até cerca de 930 euros por mês em 2023

Mudança permite evitar “distorção” do IRS para quem ganha um pouco acima do salário mínimo nacional.

Foto
A proposta de lei do OE para 2023 foi entregue no Parlamento na tarde desta segunda-feira Nuno Ferreira Santos

O Governo reformulou as regras de funcionamento do mínimo de existência do IRS — o mecanismo de isenção ou redução do imposto para os contribuintes que ganham menos — e vai aplicar o novo modelo já aos rendimentos auferidos pelos contribuintes ao longo deste ano.

Quando, em 2023, o fisco calcular o IRS a pagar sobre os rendimentos de 2022, irá aplicar uma nova fórmula de cálculo. Em vez de, na prática, aplicar a isenção no fim da liquidação do imposto, vai assumir uma lógica de abatimento numa “fase anterior ao cálculo do valor do imposto a pagar”, levando em conta o valor de deduções à colecta do IRS, explica o Governo no relatório que acompanha a proposta de lei do Orçamento do Estado para 2023 entregue esta segunda-feira no Parlamento.

A reformulação “terá efeitos já sobre os rendimentos de 2022 (através da declaração de IRS em 2023) e será alargada de forma faseada para os rendimentos de 2023 e de 2024”.

Em relação aos rendimentos ganhos este ano, o patamar do mínimo de existência será o que está previsto (de 9870 euros), mas, como há uma alteração na construção do mecanismo de isenção, há contribuintes que vão beneficiar das alterações e pagar menos IRS do que pagariam caso as regras actuais se mantivessem.

Para 2023, o mínimo de existência sobe para 10.640 euros (o equivalente à soma anual do salário mínimo daquele ano, de 760 euros mensais) e irá beneficiar os rendimentos na ordem dos 930 euros por mês.

No relatório, o Governo indica que a reformulação “beneficiará titulares de rendimentos brutos anuais até cerca de 11.220 euros” em 2022 (salários ou pensões na ordem dos 800 euros brutos por mês), em 2023 “será alargada até cerca de 13 mil euros anuais” (cerca de 930 euros brutos por mês) e “em 2024 beneficiará pessoas até cerca de 14.000 euros (mil por mês)”.

O Governo refere que, no próximo ano, os cidadãos abrangidos pelo mínimo de existência irão beneficiar, em média, de uma redução do IRS de 195 euros, “atingindo cerca de 425 euros para os titulares actualmente mais afectados” pela distorção fiscal que o Governo reconhece existir nas actuais regras. “Já em 2024, o benefício médio por titular aumentará para cerca de 230 euros por ano e o benefício máximo para cerca de 500 euros por ano”, refere o Governo no relatório.

Na prática, até a reforma estar plenamente implementada, o número de beneficiários ronda os 800 mil agregados familiares, tendo um impacto orçamental de 200 milhões de euros em 2023 e de 300 milhões de euros em 2024, segundo a estimativa indicada no mesmo documento.

O Governo decidiu alterar as regras de funcionamento para evitar uma “distorção” que se verifica em relação à tributação dos rendimentos ligeiramente acima do salário mínimo nacional.

A alteração

O mínimo de existência, lembra o Governo, “pretende proteger agregados de baixos rendimentos, ao impedir que, da aplicação das regras de liquidação do IRS, estes agregados fiquem na disposição de um rendimento líquido inferior a determinado valor”, um montante que continuará a ser, como actualmente, o maior entre o salário mínimo nacional e 1,5 vezes o valor anual do Indexante dos Apoios Sociais (IAS).

Só que, neste momento, essa regra é considerada “no final da liquidação do imposto”. Ou seja, o fisco aplica as taxas de IRS e, depois, há uma redução do IRS na proporção necessária para que os contribuintes fiquem com um rendimento mínimo anual equivalente ao tal valor que resulta da aplicação daquele cálculo (e que neste momento corresponde aos tais 9870 euros).

Mas “para um conjunto significativo de agregados com o rendimento bruto ligeiramente superior ao limite do mínimo de existência, o rendimento líquido de IRS é igual a este limite”, por haver uma regressividade.

No próprio relatório, o Governo dá um exemplo: “Um solteiro com rendimento bruto de 10.555 euros anuais dispõe de rendimento líquido de IRS de 9870 euros (valor do mínimo de existência para 2022), o mesmo valor que um solteiro com rendimentos brutos anuais de 9870 euros. Por outras palavras, existe um intervalo (que atinge cerca de 50 euros/mês para trabalhadores dependentes e pensionistas, e cerca de 70 euros/mês para trabalhadores independentes) durante o qual a taxa marginal de imposto é [de] 100%”.

Daí que o executivo proponha ao Parlamento alterar a fórmula de cálculo para dar uma “maior progressividade” ao IRS, passando da lógica de cálculo no fim da liquidação para a tal “lógica de abatimento em fase anterior ao cálculo” do imposto, em que serão tidos em contas as deduções dos contribuintes.

Um trabalhador que receba o salário mínimo (760 euros por mês, ou seja, 10.640 euros brutos anuais) ficará com um salário líquido anual igual ao bruto (10.640 euros), tal como acontece este ano, em que o rendimento líquido anual, de 9870 euros, é igual ao vencimento bruto (9870 euros, correspondentes à soma dos 705 euros brutos mensais).

Já para quem receba um pouco acima, a reformulação impede que a pessoa acabe por ficar com um salário líquido idêntico a quem recebe a retribuição mínima.

Ao apresentar o orçamento, o ministro das Finanças, Fernando Medina, exemplificou: um contribuinte que receba em 2023 um vencimento bruto anual de 11325 euros (809 euros mensais) ficaria com rendimento líquido de 10.640 euros se a regra do mínimo de existência não fosse alterada, mas, com a reformulação, disporá de um rendimento líquido de 11.052 euros (uma diferença de 412 euros).

Com a reformulação, a fórmula de cálculo passa a ser mais complexa. A lei do OE altera o artigo do Código do IRS que estabelece o mínimo de existência (a regra geral) e, em paralelo, acrescenta uma norma específica para aplicar aos rendimentos de 2022 e outra para os rendimentos de 2023.

Como a mudança ainda terá efeito sobre os rendimentos de 2022, o Governo procura resolver o problema que iria colocar-se em relação aos pensionistas com reformas ligeiramente acima do salário mínimo nacional de 710 ou 720 euros, por exemplo), porque, apesar de terem um aumento do rendimento nominal este ano decorrente do pagamento do complemento da meia pensão, não sentiriam um aumento do rendimento líquido, por causa do actual modelo de aplicação do mínimo de existência.

Sugerir correcção
Ler 4 comentários