Governo responde a polémicas de incompatibilidades e “protege” ministros

Este sábado, o Governo reagiu pela primeira vez às polémicas das últimas semanas e que envolvem já três ministros. Em comunicado, o executivo afirma que não existe ilegalidade e protege os seus governantes. Socialistas saem em defesa de Pedro Nuno Santos.

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Ana Abrunhosa, ministra da Coesão, e Pedro Nuno Santos, ministro das Infra-Estruturas têm relações familiares com os donos de empresas que contratualizaram com o Estado LUSA/MIGUEL PEREIRA DA SILVA

Nas últimas semanas, os casos de alegada incompatibilidade de funções em relação a ministros deste Governo têm ocupado as páginas dos jornais. O caso mais recente diz respeito ao ministro das Infra-estruturas e da Habitação, Pedro Nuno Santos, devido a um contrato entre o Estado e a empresa conjuntamente detida por si (1%) e pelo pai (44%) – através de ajuste directo, no valor de 19.110 euros, como noticiou na sexta-feira o jornal Observador. A reacção do Governo chegou durante a manhã deste sábado para sublinhar que não existe qualquer ilegalidade.

Sem falar de casos concretos, o comunicado recorda um parecer, pedido, em 2019, pelo primeiro-ministro, António Costa, ao Conselho Consultivo da Procuradoria-Geral da República que “concluiu pela inexistência de incompatibilidades” em casos semelhantes aos que têm vindo a ser noticiados.

Segundo o Governo, o referido parecer sobre as alegadas incompatibilidades de titulares de cargos políticos e altos cargos públicos “mantém plena actualidade”. E parte para “lamentar” que essa conclusão tenha sido omitido das notícias que estão a ser escritas sobre estes casos. “Este aspecto – central para a compreensão dos deveres a que estão sujeitos os membros do Governo e as limitações à liberdade de iniciativa económica dos seus familiares – tem sido, apesar de profusamente conhecido e transmitido pela comunicação social em 2019, lamentavelmente omitido nas notícias produzidas a este respeito”, lê-se no final do texto enviado às redacções.

Num comunicado com origem na Presidência do Conselho de Ministros (mas sem a assinatura da ministra Mariana Vieira da Silva), o Governo começa por justificar a sua reacção como “sequência das dúvidas que têm sido suscitadas recentemente a propósito de eventuais situações de impedimento relativas a membros do Governo”, sem falar ou no nome de Pedro Nuno Santos, no nome do ministro da Saúde, Manuel Pizarro, ou no caso que os antecedeu: a alegada incompatibilidade com a atribuição de fundos comunitários à empresa do marido da ministra da Coesão, Ana Abrunhosa.

Logo a seguir, o executivo recorda a Lei n.º 52/2019, de 31 de Julho, para lembrar que os “membros do Governo estão sujeitos, entre outras obrigações, ao impedimento de participar em actos de contratação pública” e que este impedimento é “aplicável às sociedades comerciais por si detidas em percentagem superior a 10% ou cujo capital social por si detido seja superior a 50.000 euros”. “O mesmo impedimento é ainda alargado às sociedades comerciais cujo capital social seja detido, acima daqueles limites, pelo seu cônjuge, unido de facto, ascendente e descendente em qualquer grau (pais, avós, filhos, netos, etc.) e colaterais até ao 2.º grau (irmãos)”.

Porém, o Governo ressalva que o parecer elaborado a 19 de Setembro de 2019 pelo Conselho Consultivo da Procuradoria-Geral da República já esclarecia que “tal impedimento apenas se verifica quanto aos procedimentos relativos a contratos públicos abertos ou que corram os seus trâmites sob a direcção, superintendência ou tutela de mérito do órgão do Estado em que o titular de cargo político exerce funções (grosso modo, no âmbito do respectivo Ministério)”.

PS defende Pedro Nuno Santos e abre portas a audição no Parlamento

O líder parlamentar do PS, Eurico Brilhante Dias, afirmou ainda esta sexta-feira que o “PS permitirá todas as audições que considerar pertinentes” para explicar o caso da alegada incompatibilidade do ministro Pedro Nuno Santos. Brilhante Dias respondia durante o programa Expresso da Meia-Noite quando questionado sobre se os socialistas viabilizariam uma audição a Pedro Nuno Santos caso fosse requerida por algum partido com assento parlamentar. “Não tenho nada a opor, mas acho que não há caso nenhum”, disse. Nos últimos quatro meses, o PS chumbou cinco audições a ministros.

A requisição chegou este sábado, pelas mãos do Chega. Em comunicado enviado aos jornalistas, o Chega pede para ouvir o ministro das Infra-estruturas “face ao exposto, tendo em conta a gravidade dos factos, as recorrentes suspeitas e a bem da transparência”, alegando que está em causa uma violação da lei e pedindo a demissão do governante.

Entretanto, ao longo deste sábado, alguns deputados do PS têm saído em defesa de Pedro Nuno Santos. É o caso da socialista Isabel Moreira. No seu Facebook, a deputada pede “um bocadinho de noção” para os que acusam o ministro. “Pedro Nuno Santos detém 0,5 de Tecmacal”, começa por escrever. “Com esta ‘mega’ participação não consegue influenciar nada do lado da empresa”, continua, argumentando que a participação residual do ministro não lhe permite impedir que a empresa de candidate a contratos públicos.

“Do lado do Governo também não consegue influenciar porque não são áreas tuteladas por ele. Ou seja: aquilo que a lei pretende acautelar está garantido”, sublinha. “Ainda assim, Pedro Nuno Santos, quis saber se a sua ‘mega’ participação de 0,5% era um problema, porque poderia sempre ceder a quota e assunto arrumado. Porque não o fez? Porque o parecer da Procuradoria-Geral da República (PGR) foi no sentido conhecido, interpretando a lei em conformidade com a CRP. Cabia a Pedro Nuno Santos contrariar a PGR? Contrariar um parecer devidamente homologado? Claro que não. Francamente, reflictam sobre o que são 0,5% antes de gritarem “escândalo”. E sim, faz sentido proteger a liberdade de iniciativa privada de uma empresa quando Pedro Nuno Santos não têm qualquer intervenção. Não me parece que a PGR tenha pensado mal”, conclui.

Também o socialista e vice-presidente da bancada do PS Francisco César defendeu o ministro considerando “deplorável” e “mesquinho” o que os partidos estão a fazer, “nomeadamente o PSD”. “Deplorável porque neste caso não há nada de novo nem ilegal”, reitera Francisco César. “Mesquinho, porque o PSD armado em Torquemada, sabe que Pedro Nuno Santos tem razão e não teve benefício pessoal. Infelizmente, para alguns, vale tudo em política, mesmo o mais vil populismo, para tentar destruir o adversário”, prossegue. E conclui com uma provocação: “O PSD está a render-se e a entregar a liderança da direita de bandeja ao Chega”.

Os casos de Abrunhosa e Pizarro

Nas últimas semanas, foi notícia a transferência de milhares de euros em fundos comunitários a duas empresas detidas em parte pelo marido da ministra da Coesão Territorial, Ana Abrunhosa.

Além de Ana Abrunhosa, também o novo ministro da Saúde tem feito correr tinta. Este sábado, a Visão conta que a ex-assessora de Manuel Pizarro na câmara e no PS/Porto, Dalila Teixeira, criou uma empresa e ganhou dois contratos: um com o porto de Leixões e outro com a Ordem dos Nutricionistas (liderada por Alexandra Bento, companheira do ministro da Saúde, o que já levou o governante a delegar as suas competências sobre este órgão).

Questionado pela VISÃO se teve algum tipo de influência nos contratos celebrados pela empresa da sua assessora de comunicação, Manuel Pizarro garantiu não ter tido “qualquer relação comercial com a empresa “Media Tailors, Agência de Comunicação”, a agência de comunicação fundada por Dalila Rodrigues Teixeira, duas semanas depois das eleições autárquicas de 2017, em que Manuel Pizarro, candidato pelo PS à Câmara do Porto, ficou em segundo lugar, atrás de Rui Moreira.

Antes disso, o ministro da Saúde já se tinha visto também obrigado a dar justificações sobre o seu cargo de sócio-gerente da sociedade “Manuel Pizarro, Consultadoria, Lda”, empresa que tem como actividade a consultoria técnica e aconselhamento, designadamente em relação a serviços de saúde e áreas sociais conexas. Ao PÚBLICO, Pizarro garantiu que “essa empresa não tem actividade desde Março de 2020” e adiantou que o processo de dissolução (entretanto concluído) estava em curso, pelo que a incompatibilidade seria rapidamente resolvida.

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