Para Siza Vieira, a arquitectura deve caminhar ao lado da sociedade. “O meu conselho é: lutem”

No regresso do podcast No País dos Arquitectos, ouvimos Álvaro Siza Vieira sobre o compromisso social da arquitectura, o projecto da ampliação do Museu de Serralves e a forma como a sua arquitectura dialoga com as diferentes artes. O podcast No País dos Arquitectos é um dos parceiros da Rede PÚBLICO. Segue-o no Spotify, Apple Podcasts ou outras plataformas.

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Fernando Guerra
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Casa do Cinema Manoel de Oliveira
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No 41.º episódio do podcast No País dos Arquitectos, que marca o regresso do podcast com uma nova temporada, Sara Nunes, da produtora de filmes de arquitectura Building Pictures, conversa com o arquitecto Álvaro Siza Vieira sobre a ampliação do Museu de Arte Contemporânea de Serralves, no Porto.

Em 2019, mais de um milhão de pessoas visitaram o Museu de Arte Contemporânea de Serralves. Face ao aumento considerável do número anual de visitantes, das actividades realizadas e do reforço constante do espólio, nasceu a necessidade de ampliação. Esta ampliação vai permitir aumentar e diversificar a oferta museológica e artística, mas também criar áreas de arquivo e de reserva de colecções e acervos.

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A par do que já acontece na maioria dos museus de arte contemporânea europeus, que têm uma área dedicada à arquitectura, a Fundação de Serralves passará também a ter esse foco e sublinhará a importância da arquitectura no novo espaço da Colecção de Serralves e da Arquitectura.

Logo no início da conversa, o Álvaro Siza Vieira explica que uma das grandes preocupações deste projecto é a preservação da área verde do Parque de Serralves. Este novo edifício vai localizar-se na parte poente do Museu e será ligado ao edifício actual através de um “espaço-ponte”, completando assim um “percurso” entre o Museu, a Casa de Serralves, a Casa do Cinema Manoel de Oliveira e agora esta extensão. Ou seja, o jardim entra visualmente dentro do museu e a natureza cria em diálogo com a arquitectura do lugar.

É importante referir que Álvaro Siza já tem uma longa história com a Fundação de Serralves. O arquitecto supervisionou o restauro da Casa de Serralves e dos seus interiores, projectou a Casa do Cinema Manoel de Oliveira e fez o Museu de Arte Contemporânea, que está agora a ser ampliado. Talvez isso explique a comunicação entre os vários elementos, que remete para a ideia de movimento: “o percurso é um dos meios de concretizar o projecto. É uma prova da grande afinidade que há entre as diferentes artes”.

O carácter cinematográfico do museu lembra isso mesmo, evocando a presença de diferentes planos, ritmos e narrativas. Durante a entrevista, faz-se um pequeno exercício e sugere-se a possibilidade de uma viagem, que é simultaneamente arquitectónica e cinematográfica: o primeiro plano poderia começar com um longo travelling, acompanhando o percurso do visitante, desde a entrada de acesso ao museu até à zona da bilheteira.

Depois, já na zona da bilheteira, dá-se um momento de paragem, onde, eventualmente, é criado um diálogo entre as personagens. E é esse mesmo diálogo que vai guiar, mais tarde, o visitante à exposição, onde se desenvolverá o segundo acto. Essa passagem pode vir a simbolizar a aprendizagem e o conhecimento de um lugar em permanente transformação.

Esta ligação entre o cinema e a arquitectura, tão visível nos projectos do arquitecto, faz lembrar a Bauhaus. Álvaro Siza opõe-se ao método de ensino que cria formas de conhecimento fechadas em si mesmas e, por isso, faz uma arquitectura que une diferentes expressões artísticas: “entre as várias formas de arte há afinidades muito grandes. Embora hoje, com esta mania da especialização, tudo seja considerado uma especialidade, não se reconheça muito, nem se fale muito nessa afinidade entre as artes. Hoje, tem-se muito a ideia de que o arquitecto é arquitecto, o pintor é pintor, o escultor é escultor e o músico é músico.”

O arquitecto constata que, não raras vezes, estabelecem-se também determinadas associações erróneas, considerando que determinado arquitecto “é bom para projectar museus”, outro deverá estar destinado a projectar “hospitais” e ainda há os que só são indicados “para projectar casas”. Álvaro Siza contesta esse argumento, afirmando: “quem nunca fez um projecto de pequena escala e só faz projectos de grande escala não consegue fazer bem”. Acredita que “a maneira mais segura de construir cidade, sem dar cabo da cidade” é partindo do diálogo “entre as diferentes coisas que surgem na cidade”.

Muito crítico nesta posição e em tantas outras onde declara que a arquitectura não consegue chegar mais longe por fruto de algumas decisões políticas, Álvaro Siza defende uma abordagem interdisciplinar: “a função do arquitecto, porventura, mais importante, é coordenar a actividade correspondente a diferentes saberes que o arquitecto por si só não pode dominar completamente. Se o arquitecto quisesse dominar todos os assuntos por si não tinha tempo para a arquitectura”.

Contratos públicos

Álvaro Siza reflecte ainda sobre um dos temas mais prementes do momento: a proposta do Governo que altera o Código dos Contratos Públicos (CCP). Trata-se de uma proposta de lei que tem gerado descontentamento entre os arquitectos portugueses, mas que vai muito para além do universo da arquitectura. Em causa está a 13.ª alteração do CCP que, segundo a Ordem dos Arquitectos (OA), permite “a possibilidade do encomendador, de forma livre, arbitrária, generalizada e definitiva, recorrer ao regime de concepção-construção, hoje consagrado como excepcional e de âmbito claramente (e bem) restringido”.

Ou seja, muito dinheiro da União Europeia vai chegar a Portugal para investir em projectos públicos e esta alteração do CCP é motivo de preocupação porque se teme que a rapidez exigida possa dar azo a escolhas menos ponderadas, negligenciando-se critérios de qualidade e o papel dos arquitectos no futuro das cidades.

Perante esta conjuntura, Álvaro Siza alerta: “com essa parceria construção/projecto, o poder passa a estar no construtor, inclusivamente o poder da gestão da obra. Esta é uma coisa monstruosa e aconselho a ler o comentário pormenorizado de Gonçalo Byrne, presidente da OA”.

Nesse mesmo comunicado, a Ordem reforça: “celeridade e flexibilização, que reclamamos há muito, não podem ser sinónimos de irresponsabilidade na contratação pública e no bom uso dos recursos públicos”. Os arquitectos consideram que é fundamental desburocratizar, mas a desburocratização e flexibilização não podem “justificar preterir os mecanismos que melhor protegem o interesse e os recursos públicos”.

“O meu conselho único é: lutem”

Álvaro Siza fala também sobre o papel do arquitecto e a forma como a arquitectura caminha, ou deve caminhar, lado a lado com a sociedade: “a maneira como se olha para o arquitecto de forma muito generalizada... é como uma peça inútil na construção, destinado a satisfazer o capricho dos ricos... esquecendo com isso que o desenvolvimento da arquitectura e o arranque da arquitectura, a que chamamos moderna, tem a ver exactamente com uma função social do arquitecto e com o destino da arquitectura para todos, e não para ricos. Já se sabe que para a habitação, que dizem social, há menos dinheiro, é muito apertado, mas isso não implica no desaparecimento da qualidade porque, na verdade, a grande arquitectura nos anos 1930, na Europa, é habitação social”.

Álvaro Siza acredita na capacidade e talento dos arquitectos para inverter este cenário, mas não nega que “a decisão política” continua a influenciar, e muito, o rumo da arquitectura em Portugal. No final da entrevista, deixa uma mensagem eminentemente social para as gerações mais novas: “Quem gostar de arquitectura e optar pela arquitectura terá o início de uma luta e de dificuldades de acesso a trabalho. Não há outro caminho senão esse. Ou então existe: a opção de procurar outros sítios para trabalhar, com condições satisfatórias para os seus anseios.”

“Não há dúvida que falta de qualidade não há porque eu vejo que os arquitectos portugueses que saem para o estrangeiro – sobretudo para a Suíça, onde há muitos portugueses – são muito bem recebidos”, continua o arquitecto. “Além disso, já há concursos ganhos por gente nova, que cá nem sequer é muito conhecida. Falamos aqui de concursos na Suíça. Esses concursos não devem depender dos custos mais baratos, relativamente à questão dos honorários. Portanto, isso prova que: gente há, formação e um plano de qualidade suficiente para ser bem recebido em toda a parte também há. O que fica é a luta. O meu conselho então único é: lutem”.


No País dos Arquitectos é um dos podcasts da Rede PÚBLICO. Produzido pela Building Pictures, criada com a missão de aproximar as pessoas da arquitectura, é um território onde as conversas de arquitectura são uma oportunidade para conhecer os arquitectos, os projectos e as histórias por detrás da arquitectura portuguesa de referência.

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