Citroën Oli, um canivete-suíço de respostas francesas à mobilidade

O concept Oli foi desenvolvido com uma importante missão: repensar o segmento dos familiares zero emissões de uma marca generalista como a Citroën, de forma a que possa ser acessível às famílias.

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Citroën Oli (concept) DR

Se ao olhar para o carro exposto por esta página, o visual lhe parece uma má ideia, descanse. Não há nenhuma previsão para que venha a ser lançado um modelo como este (ainda que, com a Citroën, nunca se possa ter certezas deste género). No entanto, muitas das ideias exploradas neste concept começarão a ser encontradas por toda a gama da marca do duplo chevron já a partir do próximo ano.

O Oli (lê-se all-ë) nasce da necessidade de repensar a mobilidade, na qual a marca francesa dá cartas há mais de cem anos. Assim, o exercício de design não se centrou tanto em criar um objecto de desejo, mas antes em tornar cada parte do automóvel o mais leve possível e o mais fácil de produzir. Tudo para atingir um patamar que, no futuro, a marca considera necessário para manter os carros acessíveis.

Com a chegada do mundo eléctrico aos automóveis, a imposição de criar carros com boas autonomias levou a que se incluísse baterias cada vez maiores, aumentando o peso do conjunto, mas também o preço. Ao mesmo tempo, como que para compensar o valor pedido por um veículo, a indústria tem tratado de oferecer uma série de funcionalidades que originam nova subida de peso.

Uma espécie de pescadinha de rabo na boca da qual poucos têm conseguido escapar — a excepção estará talvez com a Dacia, que levou a cabo a ideia de construir um carro do segmento A, com potência mais adequada ao meio urbano e um alcance contido, propondo-o por menos de 20 mil euros. Já a Citroën criou o Ami, mas o pequeno eléctrico, com velocidade limitada a 45 km/h, não é propriamente um automóvel; trata-se de um quadriciclo ligeiro, impedido de entrar em auto-estradas ou vias rápidas.

E a marca francesa não se quer ficar por aqui ao mesmo tempo que lança uma declaração de interesses que contraria “as tendências da indústria para veículos familiares de zero emissões mais pesados, mais complexos e mais caros”. “Um automóvel familiar típico, de meados dos anos 1970, pesava cerca de 800 kg; os equivalentes de hoje cresceram para mais de 1200 kg, até mesmo 2500 kg”, exemplificam. O mais grave, lembra-se, é que se trata de veículos que, apontam as estatísticas, estão parados 95% do tempo do seu ciclo de vida, sendo que 80% das vezes que se encontram em circulação o fazem com apenas uma pessoa a bordo.

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Citroën Oli (concept) DR

Reciclar, reutilizar e reduzir

A lógica dos 3 r está patente por todo o exercício revelado nos últimos dias de Setembro em Paris. O Oli foi criado recorrendo a “materiais leves e reciclados”, ao mesmo tempo que a sua concepção se preocupou em alargar-lhe o ciclo de vida, sendo possível, com muita facilidade, substituir peças e até reutilizar outras, reduzindo, dessa forma, a utilização de matérias-primas.

Ou seja, no sentido de emagrecer o carro (o objectivo era ficar com um automóvel de uma tonelada antes da inclusão das baterias), o número de peças e componentes foi reduzido ao mínimo, o que também torna a sua produção mais fácil e, consequentemente, mais barata. Um exemplo à vista é o interior das portas, que foi totalmente despido, deixando à vista a sua carcaça. “Não temos medo de mostrar como o veículo é montado, podendo ver-se estruturas, parafusos e dobradiças”, esclarece Pierre Leclercq, responsável de Design da Citroën, cujo currículo inclui uma longa passagem pelo design industrial, onde não há beleza sem funcionalidade.

Citroën Oli, detalhe do interior DR
Citroën Oli, detalhe do interior DR
Citroën Oli, detalhe do interior DR
Citroën Oli, detalhe do interior DR
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Citroën Oli, detalhe do interior DR

Também os assentos, construídos a partir de matérias sustentáveis, foram repensados e o produto final exigiu menos 80% das peças do que um banco tradicional. Os bancos de trás, por exemplo, não parecem os mais confortáveis, mas se se tiver em conta que na larga maioria das situações ou não são usados ou são ocupados por curtos períodos de tempo, talvez a Citroën tenha conseguido concretizar uma boa ideia. “É uma escolha de estilo de vida, mais do que uma escolha de um veículo”, afirma Laurence Hansen, a directora de Produto e Estratégia da marca, citada em comunicado.

Além disso, ao facilitar a reparação, renovação e personalização, a marca quer que o veículo tenha a capacidade de passar de mãos “como novo”. Ou seja, quer que seja um carro para a vida, capaz de passar de geração em geração.

Há ainda detalhes que prometem uma longa vida, como o caso das jantes e pneus, que constituem um concept desenvolvido em parceria com a Goodyear. As jantes, de 20 polegadas, misturam aço e liga leve de alumínio de forma a reduzir a quantidade de energia e custo de produção e ao mesmo tempo manter um peso baixo, enquanto o composto do piso do pneu Eagle Go inclui materiais sustentáveis ou reciclados, como óleos de girassol e sílica de cinzas de casca de arroz, bem como de resinas de pinheiros e borracha natural completa, chegando com a tecnologia Goodyear SightLine, que inclui um sensor que monitoriza uma variedade de parâmetros do estado de saúde dos pneus. Isto permite que o piso, com uma profundidade de 11 mm, mantenha a carcaça saudável para ser reutilizada, o que pode acontecer duas vezes, dando ao pneu uma vida útil para até 500 mil quilómetros.

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Citroën Oli, pneus DR

O mundo no bolso

Actualmente, uma parte importante de um automóvel é a capacidade de fornecer informações em tempo real, ao mesmo tempo que se afirma como um hub de entretenimento. No entanto, a Citroën não vê necessidade de incluir esses componentes no carro, considerando mais prático e útil andar com eles atrás. Afinal, explica, é algo que já o fazemos diariamente, quando temos no bolso o telemóvel, onde reunimos todas as aplicações de que precisamos, incluindo navegação ou listas com as músicas ou podcasts que pretendemos ouvir.

No Oli, todo o infotainment e comunicação são levados para o veículo através de um smartphone, que se pode fixar na tomada central existente no tablier. Uma vez ligado, as informações tornam-se visíveis através de um sistema smartband, que as projecta a toda a largura inferior do pára-brisas. A lógica foi também adoptada em relação ao sistema de áudio, sendo que a opção foi por criar espaços em cada extremidade do tablier para arrumar altifalantes Bluetooth cilíndricos.

Isto também resulta num tablier simplificado, com um simples encaixe ao centro para um smartphone e cinco botões para o sistema de climatização. Ou seja, em vez de 75 peças, que habitualmente são necessárias num tradicional hatchback familiar, o tablier do concept precisou de apenas 34.

Na segurança, o veículo prevê a inclusão de todos os sistemas obrigatórios, mas, numa conversa em que o PÚBLICO participou, Laurence Hansen mostra-se verdadeiramente indisposta com tudo o que é colocado num carro, e que considera desnecessário. Ressalva que não é nenhuma inconsciência dizer que as exigências actuais do Euro NCAP apenas servem para inflacionar peso e custo dos automóveis e nada têm a ver com segurança, quando se sabe que o que mais previne acidentes é reduzir a velocidade de marcha — no Oli, está limitada a 110 km/h.

Além disso, refere, a maioria das funcionalidades não é usada mais do que 2% das vezes. E se são tão pouco usadas se calhar é porque não são necessárias, conclui.

É nessa corda bamba entre o que é acessório e o que é indispensável que a Citroën se pretende equilibrar. Prova disso é também a decisão de apostar em superfícies o mais lineares possível, de forma a torná-las mais fáceis de fabricar (e de substituir). Um exemplo é o pára-brisas vertical, que requer menos quantidade de vidro e cuja produção se torna menos complexa. A Citroën aponta mais vantagens, como o facto de resultar numa superfície mais pequena diminuir a exposição dos ocupantes ao sol e reduzir a necessidade de usar o ar condicionado.

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Citroën Oli, detalhe do exterior DR

Leve = eficiente

À primeira vista, só conseguimos ver a desvantagem de ser tudo menos aerodinâmico, algo que aprendemos ser essencial para a eficiência de um carro. Mas, mais uma vez, a equipa francesa baralha e volta a dar: “Este não é o tipo de veículo para conduzir a 200 km/h”. E o peso, esclarece, talvez tenha mais importância na eficiência do que a aerodinâmica, pelo menos a crer nos números apresentados: com uma bateria com capacidade de 40 kWh e a limitação da velocidade máxima, o Oli consegue cumprir um consumo de 10 kWh/100 km, o que resulta numa autonomia para até 400 quilómetros, em circunstâncias ideais.

Ainda assim, o aerodinamismo não foi totalmente desprezado e o concept inaugura o sistema experimental Aero Duct, entre a secção frontal do capot e o painel superior plano, que sopra ar em direcção ao vidro da frente, criando um efeito de cortina, de modo a suavizar o fluxo de ar sobre o tejadilho.

O concept dá ares de SUV compacto, com 4,20m de comprimento, 1,65m de altura e 1,90m de largura, mas depressa se transforma numa pickup, cuja capacidade de carga se pode estender até aos lugares da frente, ou numa espécie de escadote: capot, bagageira e tejadilho, para além de planos, foram construídos com materiais de baixo peso e elevada resistência.

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Citroën Oli, detalhe do exterior DR

As superfícies, desenvolvidas em parceria com a BASF, são fabricadas a partir de cartão ondulado reciclado, formado numa estrutura do tipo sanduíche de favo de mel, entrecortada por reforços de painéis em fibra de vidro e revestidos de resina de poliuretano Elastoflex, cobertos por uma camada protectora de Elastocoat, soluções frequentemente usadas em decks de estacionamento ou em rampas de carregamento. Com isso, é possível usar a cobertura do carro, seja para chegar mais alto ou até montar uma tenda.

Tudo junto, parece muito. Mas a Citroën apenas quer com o Oli iniciar um debate. É que, lembra Laurence Hansen, são precisos muitos anos até que um automóvel chegue ao mercado. Por isso, afirma a responsável, é agora que se tem de pensar a mudança que se pretende para daqui a dez anos.

Um objectivo parece claro: voltar a ter automóveis familiares a um preço que as famílias possam pagar, não esquecendo que a electricidade é uma imposição à qual ninguém poderá fugir. E que valor é esse? Hansen hesita, mas acaba por confessar que gostaria de manter o preço nos 25 mil euros sem abdicar do espaço e habitabilidade nem da autonomia.

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