Contratação de professores: o perfil certo para o amigo

Porque será que os professores não concordam com a possibilidade de serem as escolas a escolherem os seus professores, ou pelo menos parte dos seus professores?

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"Os diretores sofrem uma crise de reconhecimento pelos pares" Nelson Garrido/Arquivo

O tema da semana, na educação foi, sem dúvida, a intenção que o Governo manifestou de alterar as regras da contratação dos professores. Há tempos, por ter percebido que esse seria o caminho predileto de quem nos governa, escrevi sobre quem deveria ser o responsável pela contratação de professores, se as autarquias, se as escolas?

Perante o que disse o ministro, por mais que os autarcas quisessem que a tarefa ficasse, juntamente com a descentralização, entregue às autarquias, isso não acontecerá, pelo menos para já. O que se pretende é que pelo menos um terço dos professores do quadro do agrupamento seja escolhido pelas próprias escolas, mediante a análise de perfil do candidato. Ou seja, a ideia é passar de um modelo globalmente centralizado e diretamente relacionado com a graduação profissional, que resultado da soma da nota de final de curso mais o tempo de serviço, em que cada ano lecionado corresponde a mais um ponto na graduação, por um em que as escolas possam escolher o perfil certo do candidato para a vaga a que concorrem vários. Se considerarem o candidato com o perfil certo, pode inclusive ficar vinculado ao quadro de agrupamento.

A ideia é compreensível do ponto de vista teórico e da narrativa de quem defende, como eu, a gestão/decisão de proximidade como forma de melhorar os processos.

Então, porque é que no caso específico das escolas a resistência é maior que noutros sectores? Porque será que os professores não concordam com a possibilidade de serem as escolas a escolherem os seus professores, ou pelo menos parte dos seus professores?

A resistência é legítima e passarei a tentar explicar as razões.

Nenhum professor consegue esquecer, quando se tentou caminhar no sentido da autonomização das escolas na contratação de professores, as bolsas de contratação de escola (BCE), cujos critérios de perfil ficaram conhecidos por serem feitos à medida do “amigo”, que se queria contratar.

Esse processo mostrou bem a estirpe dos diretores que pululam por esse país fora. Acreditando que serão em minoria, não deixa de ser questão a ter em conta na elaboração das novas regras de concurso.

Quem anualmente convive com todo o processo de Avaliação de Desempenho Docente pode constatar com os seus próprios olhos todos os atropelos legais, todos os clientelismos, todos os amiguismos, todos os beneficiados e os prejudicados com base na proximidade com a corte, retirando da equação o mérito pedagógico, o trabalho com os alunos e tudo aquilo que devia ser de facto valorizado, aquando da atribuição das notas qualitativas que são, na realidade, as que definem ou não se um professor pode progredir na carreira. É um exemplo flagrante de como não devemos ter fé na boa-fé de muitas direções, impedindo que qualquer professor possa olhar para esta proposta com bons olhos.

Não é, obviamente, uma questão de fé, é também uma questão de falta de reconhecimento de competências pelos pares, que muitos diretores têm. O modelo de gestão atualmente em vigor faz com que a eleição dos diretores seja muito pouco democrática, pelo que serão poucos os professores que lhes reconhecem competência para assumirem a responsabilidade por uma tarefa tão estruturante na vida de cada um deles.

A perceção que tenho é que os diretores sofrem uma crise de reconhecimento pelos pares. São reconhecidos e acarinhados pela cúpula que os elege e pouco mais. Por esse motivo, não há quem lhes reconheça competência para ficarem tão diretamente ligados ao recrutamento dos seus docentes.

Só mudando o modelo de gestão de escola e o modelo de avaliação do desempenho docente, eliminando os conflitos de interesse, é que se poderia entregar a tarefa de contratar aos diretores.

Perante isto, resta-nos apontar soluções. Creio que a proposta mais equilibrada é aquela que em tempos referi, a de manter a graduação nas várias fases, nacional, regional e local, mediante as preferências dos candidatos. De seguida, se a vaga para a qual o candidato concorresse fosse para vincular no quadro, que só deveria acontecer ao fim de três anos, consultava-se a lista local de onde, considerando a graduação, se constituiria uma shortlist de três candidatos, para que depois daí se selecionasse o vencedor, através de uma análise mais pormenorizada do perfil do candidato.

Neste sentido, tendo a concordar com a solução apontada pelo Grupo de Trabalho da SEDES. Mas, apenas, a partir da segunda etapa, pois a primeira ignora a graduação como forma de ordenar candidatos e isso não é por mim aceitável. A seleção seria “implementada pelo júri local da escola, baseada em análise documental, portfolios ou entrevistas, visando a ordenação final dos candidatos incluídos na shortlist”.

Para que não restem dúvidas na constituição do júri, a SEDES informa que este “deve ser nomeado pelo conselho geral da escola e conter elementos internos e externos à escola. Um dos elementos externos do júri deve ser indicado pelos serviços competentes do Ministério de Educação, mediante sorteio entre uma bolsa previamente constituída de docentes do grupo de recrutamento, com experiência e competência reconhecidas, preferencialmente pertencente a uma escola localizada fora do concelho da escola em questão”.

No sentido de eliminar qualquer suspeita sobre o processo acrescenta ainda que “a gestão administrativa dos concursos e candidaturas deve decorrer numa plataforma eletrónica centralizada, mantida pelos serviços competentes do Ministério de Educação, ficando registados os respetivos procedimentos e avaliações. Esta plataforma deve anunciar publicamente todas vagas e concursos abertos a nível nacional, os respetivos critérios para seriação de candidatos, a composição nominativa do júri de seleção e, posteriormente, o resultado final do concurso.”

Acredito que, querendo ou não, esta medida avançará, pelo que devemos ser promotores do debate, apontar pistas de ação, sem medos de traçar linhas vermelhas como são a de abandonar a graduação profissional como ordenação de candidatos e a de alargar o modelo à percentagem total dos professores do agrupamento.

Cumprindo estes requisitos, mudança de modelo de gestão escolar, de modelo de avaliação de desempenho docente e os descritos no trabalho da SEDES, acredito que poderemos caminhar para uma solução equilibrada.


O autor escreve segundo o Acordo Ortográfico de 1990

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