Andrea Incontri, o novo director criativo da Benetton, é um profissional “metade criativo, metade científico”
O novo director criativo da histórica marca italiana vê a moda como “um grande edifício com diferentes andares”, que tem como principal alicerce a qualidade da confecção. “Muitos criadores de moda dizem que não é o produto que mais interessa. Mas acredito que é a qualidade que fala por si”, defende, em entrevista ao PÚBLICO.
Andrea Incontri nasceu seis anos depois de Luciano Benetton ter fundado a empresa especializada em malhas em Treviso. Formado em Arquitectura, foi na moda que firmou nome — primeiro no luxo e, há seis meses, a conduzir os destinos da United Colors of Benetton. Discreto, mas, ao mesmo tempo, com uma personalidade que enche a sala, recusa-se a ter os holofotes apontados para si: “O grande protagonista é o consumidor. É o primeiro e o último a decidir.”
Aos 51 anos, depois de mais de uma década a trabalhar na moda, Incontri continua a pensar como um arquitecto, confessa ao PÚBLICO, minutos depois de apresentar a sua primeira colecção para a Benetton, durante a Semana da Moda de Milão. “Sou [um profissional] metade criativo, metade científico. Sou um director criativo, mas esta empresa também trabalha com números”, declara.
O sistema da moda, acredita, funciona como “um grande edifício com diferentes andares”. E explica: “Não é só o produto, a colecção, mas também a publicidade, as campanhas... Trabalho com muitos elementos.” E, para trabalhar assim, defende, “é importante conhecer a empresa e o seu passado”. Todavia, adverte: “Não sou melancólico, não acredito no passado. É importante conhecê-lo, mas este é um novo capítulo.”
Não é que Incontri não conhecesse a Benetton durante toda a sua vida — “ia com a minha mãe comprar pólos, como este que tenho vestido, mais pequeno, claro”, recorda com humor —, mas foi no luxo que fez currículo, depois de ter vencido o concurso de talentos de moda Who’s on Next Man. Em 2009, fundou a marca própria especializada em artigos de couro e marroquinaria, que agora deixa em suspenso para se dedicar à nova função de director criativo. “A minha marca tem um trabalho mais experimental, não só a nível de formas, mas também de materiais”, explica.
Passou por casas de moda como a Missoni, a Max Mara, a Jill Sander e, mais recentemente, a Tod’s, onde assinava a colecção masculina. Está na Benetton desde Março, “na primeira experiência numa marca mais democrática”. Como primeiro projecto, assinou uma colecção-cápsula inspirada nos clássicos da marca, a que chamou “Reedição”. “São os arquivos dos anos 1990, mas com a qualidade de hoje.”
A qualidade da confecção italiana é o que acredita diferenciar a Benetton de outros grupos de moda acessível, como são a H&M ou a Inditex. “É outro nível. Adoro as malhas. Mas não é fácil desenvolver e inovar em malha”, observa. Andrea Incontri diz querer “fazer uma transição” para a marca “com tempo”. E defende: “Acredito que passa muito pela sustentabilidade. Quero desenvolver uma boa resposta para, quando o consumidor quiser comprar alguma coisa, poder fazê-lo da melhor forma possível.”
Nos últimos anos, o caminho para a sustentabilidade tem sido bandeira da Benetton, pelas mãos do antigo director criativo Jean-Charles de Castelbajac, que apostou em materiais inovadores. Para a primeira colecção, Andrea Incontri quis deixar uma reflexão sobre o que é ser saudável e, mais do que fazer mudanças bruscas, reafirmar a assinatura da marca, com aposta na cor. “Gosto de deixar uma questão em aberto. Enquanto designer, temos a responsabilidade de o fazer”, considera.
“Trabalhar com a sociedade”
Essa responsabilidade sempre foi apanágio da Benetton, que, nos anos 1990, chocava pelas provocadoras campanhas de Oliviero Toscani, chamando a atenção para temas então polémicos, como os direitos LGBT ou o racismo. “O Oliviero Toscani foi um génio. Fez coisas fantásticas que é impossível repetir, porque foram feitas na época perfeita”, analisa e assevera que “é importante não copiar”. “Devemos, sim, criar uma nova história.”
Para a “nova história”, quer voltar a trabalhar em projectos relacionados com a solidariedade: “É como na arquitectura, gosto de abrir a janela e olhar para o que está a acontecer lá fora.” Quer convidar artistas de outros países, “pessoas que se calhar ninguém conhece”. E justifica: “Acredito em trabalhar com a sociedade. Ver a mensagem verdadeira e não apenas a mensagem do marketing.”
Numa tentativa de descentralizar a moda, Incontri confessa que gostava de organizar eventos da marca noutros países, como o desfile que organizou em Milão perante dezenas de curiosos a espreitar do lado de fora das montras, para voltar a colocar as lojas sob os holofotes. “Estou constantemente a pensar como organizar as lojas — são fundamentais numa marca”, reforça, considerando que o comércio online não lhes pode tirar a “magia”.
“Muitos criadores de moda dizem que não é o produto que mais interessa. Mas acredito que é a qualidade que fala por si”, assume com o brilho nos olhos de quem abraça um novo desafio. A missão que agora lidera é levar essa qualidade a cada vez mais gente, dando-lhes também mais cor à vida. “Esta marca é para todos, não só para uma elite exclusiva. E isso é muito importante”, conclui.
O PÚBLICO esteve em Milão a convite da UCB