Prémios Aga Khan de Arquitectura distinguem “compromisso com as comunidades, inovação e cuidado com o ambiente”
Entre os seis premiados estão projectos de recuperação de zonas fluviais degradadas, uma escola e um aeroporto harmonizado com a natureza que a rodeia, um museu de arte contemporânea ou espaços comunitários criados num campo de refugiados.
Uma lixeira informal junto a um rio transformada num espaço multifuncional valorizado pela comunidade e seis espaços comunitários criados para dar dignidade e conforto aos refugiados Rohingya, ambos no Bangladesh. Um aeroporto internacional na Indonésia criado em harmonia com o mar de arrozais em seu redor. Um museu de arte contemporânea criado a partir das instalações de uma antiga cervejeira no centro histórico de Teerão, capital iraniana. A renovação da histórica Hospedaria Niemeyer, em Tripoli, originalmente incluída num projecto mais vasto de Oscar Niemeyer. Uma escola secundária senegalesa cujos módulos acolhem as especificidades da natureza e topografia do terreno. São estes os seis vencedores do Prémio Aga Khan para a Arquitectura, anunciados esta quinta-feira pela instituição.
Partilhando um prémio de um milhão de dólares (sensivelmente o mesmo valor em euros), todos os premiados, assinala o comunicado da Aga Khan enviado à imprensa, “revelam compromisso com as comunidades, a inovação e o cuidado com o ambiente”. Aquele em que tal compromisso surge como mais evidente serão os Espaços Fluviais Urbanos criados pelo atelier Co-Creation Architects no país onde está sedeado, o Bangladesh. Uma nota adicional indica que o prémio distingue não apenas arquitectos, mas também municípios, construtores, clientes, mestres artesãos e engenheiros com relevância para um projecto.
Em Jhenaidah, recuperaram para população uma ligação com o rio que se tornara praticamente inexistente, ou pior, que transformara as zonas fluviais em depósitos informais de lixo. Fizeram-no, por exemplo, através de passadiços e de escadarias criados em tijolo local e zonas de sombra que promovem o descanso e o convívio.
Outro caso evidente de equilíbrio entre as necessidades da sociedade contemporânea e a sua harmonização com o espaço natural será o do Aeroporto Internacional de Banyuwangi, em Blimbingsari, Java Oriental, Indonésia. Obra do arquitecto indonésio Andra Matin, nascido na região em que interveio agora. Inspirado nas casas dos Osing, a tribo local, tem coberturas inclinadas, cobertas de relva, persianas verticais em madeira de ulina, divisórias envidraçadas a permitir que o interior seja iluminado por luz natural, sendo que se ergue no terreno perfeitamente harmonizado com o mar de arrozais existente no local.
O júri escolhido pela Aga Khan, que chegou ao nosso país há 35 anos, com a criação da Fundação Aga Khan Portugal, distinguiu também o esforço humanitário dos arquitectos Rizvi Hassan, Khwaja Fatmi e Saad Ben Mostafa, criadores dos Espaços Comunitários erguidos no Centro de Refugiados Rohingya instalado do distrito de Cox’s Bazar, no Bangladesh.
Mais de 700 mil pessoas de etnia rohingya atravessaram a fronteira para o Bangladesh desde 2017, fugidas do genocídio a que eram submetidas no vizinho Myanmar, sendo a maioria destas (mais de 75%) mulheres e crianças. Criados em conjunto com os refugiados no local, e incluindo espaços de apoio social e lazer, zonas onde se promove o convívio entre os refugiados e a população local ou um centro onde os refugiados podem vender produtos culturais para venda, os espaços comunitários foram construídos recorrendo a materiais que “variam entre os localmente disponíveis e tradicionais – bambu, tijolo, madeira de areca e colmo, contando com a experiência dos artesãos locais e artesãos rohingya – e o cimento convencional e metal ondulado”, como lemos no dossier de imprensa que apresenta os vencedores do prémio.
Outro dos prémios foi para a renovação do Museu de Arte Contemporânea e Centro Cultural Argo, em Teerão (Irão). O júri descreve o projecto de Ahmadreza Schricker (Architecture North, Irão/EUA), inserido no centro da capital iraniana, densamente povoada, como “atípico” - “transformou a Fábrica Argo, uma antiga cervejaria cujas actividades foram deslocalizadas para fora da cidade dez anos antes da Revolução Iraniana devido à poluição, num museu privado de arte contemporânea”. Em suma, das ruínas do edificado original foram construídas novas camadas (quatro, na verdade), onde nasceram agora espaços para exposições, palestras e filmes e está a ser construída uma nova residência de artistas.
No Líbano, outra renovação, com nome de referência da arquitectura mundial: a da Hospedaria Niemeyer, em plena Trípoli. “Um exemplo inspirador da capacidade de reparação da arquitectura” em tempos de crise, “e no Líbano em particular, dado que o país enfrenta um colapso político, socioeconómico e ambiental sem precedentes”, assinala o júri. O edifício faz parte da Feira Internacional Rachid Karami, obra inacabada do arquitecto Oscar Niemeyer, e a obra agora distinguida é do libanês East Architecture Studio.
Por fim, a Escola Secundária de Kamanar, Thionck Essyl (Senegal), é premiada por ser uma estrutura “única” por abordar “as múltiplas escalas do urbanismo, paisagismo, arquitectura e tecnologias de construção com o mesmo compromisso e virtuosismo, lutando com a topografia e a flora local mas abraçando-a: foi introduzida “uma grelha de módulos de salas de aulas organizadas à volta das copas de árvores pré-existentes, adoptando as suas sombras como espaços sociais para alunos e professores”, descreve o júri. A obra é assinada pelo atelier Dawoffice, de Barcelona.
O Prémio Aga Khan para a Arquitectura foi criado em 1977 para encorajar conceitos de construção que correspondam com sucesso às necessidades e aspirações de comunidades com uma presença significativa de muçulmanos. O júri deste ano, que analisou os últimos 20 finalistas, é composto por Nada Al Hassan, arquitecto especializado na conservação e composto ainda por Amale Andraos, Kader Attia, Kazi Khaleed Ashraf, Sibel Bozdoğan, Lina Ghotmeh, Francis Kéré, Anne Lacaton e Nader Tehrani.