Os mais novos e a mania dos reis e das rainhas

As crianças gostam de mandar. A disputa de poder entre o João e a Leonor levou a que o parque infantil ficasse dividido em dois reinos. Cada um com o seu monarca.

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“Toda a gente brincava no reino do João. Toda a gente, menos uma menina... A Leonor” Joseph Kuefler
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Capa do livro “Os Donos do Recreio”, editado pela Bizâncio Joseph Kuefler e Dana Fritts

A história começa com a decisão do João: “— Agora, eu sou o rei deste reino! (…) Prometam obedecer-me e eu deixo-vos brincar no meu reino.” E, sem mais nem menos, o rapaz tornou-se o rei do parque infantil.

Vaidoso e fingido, não convenceu a Leonor, que resolve então declarar: “— Esta parte do recreio agora é minha! (…) Jurem que vão seguir as minhas regras.” E, sem mais nem menos, a menina tornou-se “uma poderosa rainha”, mas dissimulada e impaciente.

Ficou o parque dividido em dois reinos: o dos escorregas e o dos baloiços. Mas cada um dos reis tudo fez para continuar a conquistar terreno, numa disputa sem fim.

Os outros miúdos cansaram-se e abandonaram os monarcas não eleitos. E a vida da realeza perdeu interesse: “O rei João e a rainha Leonor dominaram o recreio inteiro, até não haver mais nada para conquistar… nem amigos para brincar.”

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“Este reino é meu!” — gritou o João Joseph Kuefler

Um livro do também autor de No Fundo do Lago e de A Escavadora e a Flor. Sobre Os Donos do Recreio, publicado nos EUA em 2017 e que diverte com um assunto sério, Joseph Kuefler disse em entrevista ao site Mile High Reading (Janeiro de 2018): “Eu sabia que queria criar um livro que usasse humor e piadas físicas. Ao mesmo tempo, como muitas pessoas, eu estava a tentar processar muito do que acontecia pelo mundo — da política global às questões da minha própria vida. De alguma forma, aquela vontade de contar uma história engraçada transformou-se em algo com um subtexto um pouco mais pesado.”

Referindo-se à eleição de Donald Trump como Presidente dos EUA, em 2016, recorda: “Comecei o livro muito antes de os resultados das eleições parecerem a possibilidade mais remota. O livro assumiu um significado um pouco mais pungente para mim, mas não era essa a intenção.”

O autor conta um pouco do seu processo criativo dizendo que estes três seus livros têm em comum um episódio inicial de tensão: “Um menino que descobre que o lago não tem fundo, um menino que decide reivindicar o recreio como seu e uma escavadora que avança sobre a natureza.” A partir daí, trabalha “no conceito para construir e resolver a tensão”.

Compara o processo ao de “esculpir mármore”. Especifica: “Vamos esculpindo algo para descobrir a escultura que esteve escondida ali dentro o tempo todo.”

Começa por desenhar miniaturas pequenas e grosseiras e vai refazendo e refinando, “até não odiar o que estou a ver”. Nunca está realmente satisfeito com o seu trabalho. “Há sempre algo que eu poderia ter feito melhor ou uma ideia que nunca consegui executar correctamente. Mas é preciso enviar o trabalho e seguir em frente.” Por isso, conclui: “Os prazos são uma óptima ferramenta para combater as tendências obsessivas.”

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“Não é nada! — gritou a rainha Leonor — É tudo meu!” Joseph Kuefler

O ilustrador e designer quer que os leitores saibam que “fazer livros ilustrados é difícil... muito difícil, cada livro é uma luta”. Até desenvolveu uma fórmula para prever quantas vezes vai chorar durante cada projecto, chama-lhe a “fórmula das lágrimas”. E descreve: “Conte o número de páginas de um projecto e divida por dez. Para Os Donos do Recreio, seria 48. Isso é 4,8 vezes. Claro que é preciso arredondar. Então, cinco vezes.” Ou seja, o autor terá chorado cinco vezes para criar este livro.

Quando fala desta “fórmula” aos alunos das escolas que visita, eles riem-se. “Mas é a verdade. Fazer arte é difícil. É muito difícil quando você aspira a criar um trabalho da mais alta qualidade (algo que ainda não consegui fazer).”

Voltando à história, os monarcas João e Leonor assinaram um documento a que deram o título “Importante Projecto de Desculpas”. Aí se podem encontrar directivas como “retirar as fronteiras invisíveis” ou “não são autorizadas bandeiras”. Também se incluem algumas tarefas e atitudes. Escolhemos estas: “ser uma pessoa melhor”, “criar uma democracia” e “desconfiar de futuros governantes”.

Ainda que João e Leonor abdicassem dos seus reinos e o parque voltasse a ser um lugar feliz, uma dupla parecia estar a preparar-se para se declarar dona do recreio, Augusta e o Dom Cão Farrusco III. Um final temporariamente feliz. (Qualquer semelhança com a actualidade é pura coincidência.)

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