Preciso de férias das férias
“Se durante o ano lectivo é o que se sabe, nas férias com os quatro miúdos, as minhas conversas com outros adultos — incluindo o meu marido! — parecem conversas telefónicas quando há pouca rede.”
Querida Mãe!
Tinha saudades destas nossas cartas. Acredita que sempre que penso em qualquer coisa que tenho para lhe contar, na minha cabeça começo com um “Querida Mãe...” e falo consigo em formato Birras de Mãe!
E temos falado tão pouco. Se durante o ano lectivo é o que se sabe, nas férias com os quatro miúdos, e todos os amigos e primos que felizmente aparecem também, as minhas conversas com outros adultos — incluindo o meu marido! — parecem conversas telefónicas quando há pouca rede. Sinceramente, acho que não há maior prova de amor do que as pessoas que me continuam a telefonar, apesar de ser tantas vezes uma experiência altamente frustrante.
Exemplos:
“Sabes, Ana fui promovi…” “MÃE!!!!!!!”, “e divorci....” “MÃE!!!!!”, intercalados com as minhas mais sinceras “Desculpa, desculpa. Não, não quero desligar, quero MESMO saber!”, para uns segundos depois, e de alguns “Calem-se, não veem que estou ao telefone”, me ter de conformar, com um “Desculpa, vou mesmo ter que desligar, mas já te ligo.”
E, mãe, acredite que quando tomo a iniciativa de ligar, ou de atender, é porque eles aparentemente estavam entretidos, bem e longe de mim. É só que quando alguém ATENDE e a conversa começa a fluir que os mini elfos decidem atacar.
Dito isto, Setembro é um mês difícil para mim, mãe, é um mês de enorme transição e mudança de rotinas — a mudança de ritmo é tão gigante que nos sentimos como alguém que chegou ao ponto mais alto da montanha-russa e começa a ficar em pânico com a descida e o looping que aí vem.
É, também, a altura em que a síndrome de impostor está em alta, e em que tememos não estar à altura de todos os desafios profissionais que nos propusemos.
Por isto tudo estou a tentar lembrar-me das coisas boas que este regresso às aulas é suposto trazer, para além da possibilidade de poder voltar a falar ao telefone sem interrupções. Sinta-se livre para me relembrar de mais.
Beijinhos.
Querida Ana
Que bom, que bom, voltarmos à escrita das nossas Birras, nem sabes a falta que me tem feito esta Terapia Epistolar — será que o termo já existe, ou fui eu que o acabei de cunhar? Não sei, mas lá que funciona como terapia funciona.
Adiante.
Confirmo que os nossos telefonemas têm sido praticamente em código morse, uma queixa que seguramente comum a muitas mães/avós deste país em período de férias escolares, e que se fundamenta em duas ordens de razões: uma falsa e uma verdadeira.
A falsa é, evidentemente, a nossa favorita: temos a certeza absoluta de que bastava um grito para os pôr na ordem. As nossas falsas memórias levam-nos a jurar que os nossos rebentos, que por acaso são vocês!, ficavam sempre sentados e quietos à espera da sua vez de falar, por muito interminável que fosse o telefonema.
A amnésia é tal que nem nos recordamos que não existiam telemóveis, o que significava que, quando íamos com os nossos filhos à praia, aos baloiços ou a um restaurante, não estávamos simultaneamente a impedir um de cair do baloiço e a ajudar o outro a vestir o fato de banho enquanto dávamos atenção às nossas queridas mãezinhas e sogras. Aliás, a tua avó só ligava depois das nove da noite, porque era quando os telefonemas eram mais baratos.
A queixa verdadeira é, claro, a mais difícil de confessar: a dependência psicológica dos nossos filhos, o desejo de sermos ouvidas, o “problema” de vos termos transformado em melhores amigas. E tu, sempre tão disponível para mim e para toda a gente, estás basicamente a culpabilizar-te, sem consciência de que estás num impossível multitasking, que basicamente tens um duplo emprego, sendo que ambos são muito exigentes. Por isso, aceita o meu conselho e arranja um telefone só para as “consultas”, e já agora com chamadas de valor acrescentado, porque é mais do que justo que cobres os teus serviços. Depois desliga-o quando “pegares” ao serviço de mãe.
Mas tenho um desejo para ti e para todas as mães, neste princípio de um novo ano, porque para as mães o mês de Setembro é o Janeiro do comum dos mortais: deem a vocês mesmas o direito a tirar férias das férias, e durante os próximos 365 dias conquistem um tempo que seja só vosso, e não abram mão dele.
Sei que é mais fácil dito do que feito, mas é essa a cenoura que te ofereço para enfrentares os sobressaltos destes primeiros dias de escola dos meus quatro netos, que vão reagir todos de maneira tão diferente a uma nova rotina, aos desafios de novos professores, de novas escolas.
E, por favor, agora que recomeçaste, não pares de me escrever.
O Birras de Mãe, uma avó/mãe (e também sogra) e uma mãe/filha, logo de quatro filhos, separadas pela quarentena, começaram a escrever-se diariamente, para falar dos medos, irritações, perplexidade, raivas, mal-entendidos, mas também da sensação de perfeita comunhão que — ocasionalmente! — as invade. E, passado o confinamento, perceberam que não queriam perder este canal de comunicação, na esperança de que quem as leia, mãe ou avó, sinta que é de si que falam.