O parque de campismo

Nunca percebi quem fazia férias em Agosto até ter que fazer férias em Agosto. Parece que é o que acontece quando se cresce, que vemos que o que só acontece aos outros também nos acontece a nós e que nós não somos assim tão diferentes dos outros, mesmo que queiramos.

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Paulo Pimenta

Fazer férias em Agosto é toda uma experiência transformadora. Sair de Lisboa mais tarde que cedo, o ponteiro do gasóleo avariado no cheio dando falsas esperanças de abundância, os 35 graus irrespiráveis lá fora, o bafo cá dentro. Mas faz-se. Parar para comer uma frutinha, dar um mergulho no mar de Sines posicionado estrategicamente mesmo a meio do caminho, olhar para os outros veraneantes que já estão no processo há mais dias com corpos mais bronzeados, queixos mais relaxados e barrigas mais inchadas de fartura e farturas.

Chegar ao parque de campismo. Estacionar o carro lá fora, ir fazer o check-in numa fila suada mas feliz, entre miúdos com restos de gelado nos cantos da boca e pais que querem mesmo acreditar que aquilo vai dar certo, levar o carro para dentro. Conduzir a menos de 10 quilómetros por hora à procura do solo perfeito para colocar a tenda, nem muito duro nem mole, à sombra e tão perto quando longe dos balneários. Observar a vizinhança momentânea que logo já terá mudado. Perceber o potencial, sentir a energia, tirar a tenda do carro, abrir a tenda, pensar que vai ser smooth até o chão mostrar o contrário. Pedir o martelo emprestado ao vizinho.

Se há coisa boa no parque de campismo, são os vizinhos que, qual acordo de cavalheiros, partilham coisas. São também eles que ressonam, estacionam em frente à nossa tenda, têm conversas em que salvam o mundo às duas da manhã, penduram dildos à porta dos seus impérios de tendas e ouvem reggaeton enquanto grelham febras. Mas também emprestam o martelo dos anos 70 que acaba de salvar mais um veraneante no parque do Serrão em pleno Verão. Tenta montada significa peito inchado.

O silêncio do acordar no parque de campismo. O cheiro a terra molhada da noite anterior, única tempestade lembrada em sei-lá-quantos anos. Tudo cagado, até as meias e os chinelos molhados. Sair da tenda e pingar a testa, ir passear o cão neste vazio pós-festival da natureza. Navegar a organização desorganizada, o estar sempre tudo a mudar, o que se gosta e o que não. O nada fazer, o partilhar, o ouvir o mar, a noite mal dormida que começa a ser sentida.

O parque de campismo é a perfeita metáfora da sociedade, onde todos se organizam e desorganizam tal e qual como fazem, ou não, na mesma.

Os balneários. O sentir o vapor de água a cheirar a canos e cocó, o ir fazer xixi e haver papel mas estar sempre ali naquele limbo entre o sujo e o limpo, entre o I cannot touch e o I can’t care. O duche quente com pressão, os cabelos no chão, o sabonete meio colado ao banco e os cantos da porta cheios de cotão. O sentirmo-nos tão limpos de espírito que nada importa, nem o cheiro a laca.

As conversas de quem lava os tachos e já comeu os tomates maduros com sal, azeite e orégãos. Os homens no churrasco e as mulheres nas saladas e os lava-louças de alumínio. Estas conversas roubadas nos balneários sobre a vida boa que se tem no parque de campismo, como aqueles momentos são tudo, quando mais nada importa e é Agosto e só isso já tem um bom gosto.

Nunca percebi quem fazia férias em Agosto até ter que fazer férias em Agosto. Parece que é o que acontece quando se cresce, que vemos que o que só acontece aos outros também nos acontece a nós e que nós não somos assim tão diferentes dos outros, mesmo que queiramos. Tão pouco diferentes que até gostamos de Agosto, e do parque de campismo em Agosto.

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