Época de incêndios: não são algoritmos, é um modelo territorial em falência

O mapa das zonas ardidas dos últimos anos mostra como as chamas poupam várias zonas do país: terão menos incendiários? Certamente há outros motivos.

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O rasto de cinzas na Serra da Estrela quase faz esquecer os incêndios de 2017. Adriano Miranda

O rasto de cinzas na Serra da Estrela quase faz esquecer os incêndios de 2017. O Governo prometeu investigar o que falhou no combate, enquanto se discute a origem da primeira ignição (durante a madrugada) e o trabalho difícil que os bombeiros tiveram pela frente, enquanto se somavam novos focos de incêndios ao longo da serra. Estariam talvez as difíceis condições de combate a influenciar o algoritmo a que se referiu a Secretária de Estado da Protecção Civil, para sustentar como, afinal, a área ardida poderia ter sido maior.

Entretanto, as acácias crescem nos matos de Pedrógão, e pouco parece ter mudado para impedir que grandes incêndios se repitam. O mapa das zonas ardidas dos últimos anos mostra como as chamas poupam várias zonas do país: terão menos incendiários? Certamente há outros motivos. No Alentejo, por exemplo, a alternância de zonas agrícolas, pastagens e áreas de montado, impede a propagação das chamas.

O mapa das zonas ardidas dos últimos anos é marcado pela baixa densidade de população, talvez afastada pelos incêndios, e também pela pequena propriedade. Muitos terrenos são desconhecidos, até pelos próprios proprietários, e só nos últimos anos o Governo reforçou o registo da propriedade.

Enquanto o cadastro predial, como é conhecido o registo de propriedade, não ficar concluído em todo o país, muitos planos de ordenamento florestal ficarão no papel. Continuará a deriva voluntarista, em que os povoamentos florestais alternam com matos de abandono, onde alastram os fogos, comprometendo o trabalho de limpeza e de prevenção de quem o faz e o esforço dos bombeiros, que fica sem tréguas à vista. Muitos pequenos proprietários pouco mais podem fazer, além de limpar as árvores engolidas pelos incêndios e vender a madeira correspondente ao valor que o mercado pagar, obviamente a preço de saldo.

Uma vez conhecidos os proprietários da floresta portuguesa, será possível planear e arborizar. Há um debate aceso sobre as espécies florestais a plantar, que nem sempre considera a distinção necessária entre a floresta de produção e de protecção: se a primeira poderia incluir espécies de crescimento rápido, na segunda proteger-se-iam espaços naturais de valor ecológico e paisagístico, com a introdução de espécies autóctones. A floresta de produção poderia ajudar a financiar a de protecção, até para apoiar o turismo de natureza em várias regiões do país.

O Parque Natural Serra da Estrela mantém muitos desses lugares com interesse ecológico, paisagístico, e também turístico. Entretanto, enfrentar o clima em mudança será como uma corrida contra o tempo. Verões e Outonos mais quentes e secas prolongadas irão certamente aumentar o desafio, levantando questões sobre que serra da Estrela irá recuperar dos incêndios. Mas uma coisa é certa: é da serra que saem as águas cristalinas do Zêzere, das quais Lisboa, e tantas outras cidades, dependem para sobreviver.

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