A economia dos incêndios
Será que os incendiários ateariam menos fogos se os espaços combustíveis fossem diferentes? Os criminosos cometeriam menos crimes se as vítimas usassem vestuário diferente? – será uma questão conexa.
Todos esperamos sempre o melhor. E muitas vezes o melhor é a melhor das sortes.
O mesmo acontece quando esperamos o melhor Verão em termos de incêndios. Sobretudo, esperamos a melhor sorte, porque, ao invés, quando as coisas não correm bem tendemos a culpabilizar, na falta de melhores, o azar. O azar é geralmente o conjunto de forças – muitas vezes abstractas, exógenas e superlativas – que não controlamos com a vontade, com o voto ou com o dinheiro. É azar o tempo seco, é azar o tempo quente, é azar a abundância do mato gerado naquela estação.
A responsabilização dos incêndios quando onera os proprietários florestais (que tendem a ser as principais vítimas dos mesmos) omite a causa fundamental por detrás da grande maioria dos incêndios florestais em Portugal. Essa causa responsabiliza o ser humano como autor voluntário ou involuntário. Os diversos relatórios produzidos ao longo dos anos vêm mostrando que em Portugal, como aliás em muitos outros países europeus, os incêndios não começam porque sim. Começam porque mão humana os ateou na maioria das vezes. Depois, começam porque mão humana descuidada os provocou, em queimadas em que, mais uma vez, se jogou com a sorte. Pretender responsabilizar as miríades de proprietários (onde se inclui o Estado nas suas diversas figuras) é procurar minimizar a culpa principal dos principais culpados.
Espaços combustíveis diferentes ofereceriam ritmos de desenvolvimento do fogo diferente? Decerto. Mas a grande questão emergente, até aí, prende-se com a responsabilização dos autores materiais (e até de alguns autores morais) dos sinistros e dos crimes.
Pois será que os incendiários ateariam menos fogos se os espaços combustíveis fossem diferentes? Os criminosos cometeriam menos crimes se as vítimas usassem vestuário diferente? – será uma questão conexa.
Daqui compreendemos que, sem dúvida, todos esperamos uma gestão do espaço florestal diferente. Que, idealmente, deixe de ser um espaço combustível com os danos ambientais e sócio-económicos enormes que vimos suportando. Mas também daqui sabemos que sem uma compreensão maior das motivações dos incendiários, de uma perceção clara de quem ganha e de quem perde com cada incêndio bem como porque andamos há décadas a discutir, a investigar, a legislar, a comentar, a lamentar e a combater cada incêndio não consigamos desenhar tendências nítidas de redução sustentada dos fogos ano após ano ou da área ardida ou inutilizada época após época.
A menos que, na hipótese mais cínica, tenhamos deveras um país litoralizado e urbanizado que usa o dossier dos incêndios como catarse própria para o abandono das populações e dos portugueses esquecidos no interior, na terceira idade e na ruralidade das fotografias a preto e branco.
O autor escreve segundo o novo acordo ortográfico