Já é mais do Dão do que de Lisboa, onde nasceu há 65 anos. A engenheira agrónoma Vanda Pedroso, técnica do Centro de Estudos Vitivinícolas do Dão (CEVD), está há 40 anos em Nelas e desde 2011 que anda “por aí à procura das variedades antigas” que outrora fizeram da região a mais emblemática de Portugal.
Se não fosse o seu trabalho, muitos produtores não teriam hoje castas “esquisitas” como a Barcelo, a Uva-Cão ou a Douradinha para plantar. E se não fosse o empurrãozinho discreto que dá a muitos técnicos, essas casas não estariam tão atentas a esse património que no sector vale ouro e que se chama vinhas velhas.
Vanda tirou Engenharia Agronómica no Instituto Superior de Agronomia da Universidade de Lisboa e é técnica do CEVD desde 1982, ano em que terminou o curso. Viveu dois anos no centro de Nelas e os outros todos até à data dentro da Quinta da Cale, que pertence àquele organismo dependente da Direcção Regional de Agricultura e Pescas do Centro (DRAPC).
Vive numa das três casas que a quinta tem para funcionários e levanta-se muito cedo, “às seis” da manhã já está na vinha ou no edifício principal, onde a vimos a primeira vez, quando nos guiou pelos diferentes terroirs do Dão, em Julho último.
Na Quinta da Cale, olha por cerca de 6 hectares de vinha. Ali, tem 91 castas – 49 tintas e 42 brancas – numa parcela de 1,7 hectares, plantada em 2015. “Instalamos a vinha com as 91 castas diferentes, repetidas três vezes, para podermos ter repetições e fazer análise estatística”, explica. A maioria eram à data variedades indicadas para plantar no Dão (Denominação de Origem e Indicação Geográfica) na portaria de 2014 que rege a região. Mas no espaço sobrante foram introduzidas algumas castas em que os enólogos já iam mostrando interesse, explica. Na Cale, tem ainda uma colecção de castas que são para já desconhecidas, estão de momento identificadas pelo número de vinha de prospecção e pelo número da cepa.
A tal parcela das 91 é hoje a base de um projecto que nos próximos três anos será desenvolvido no CEVD, em conjunto com a comissão vitivinícola regional do dão e o Politécnico de Viseu, e que tem no centro das suas preocupações as alterações climáticas. Está aprovado e será apresentado em Setembro, na Feira do Vinho do Dão. A ideia é estudar o comportamento actual daquelas castas e tentar antever o impacto que a crise climática pode ter nessas variedades.
O CEVD teve, de resto, um projecto em 2011 para fazer prospecção nas Vinhas Velhas da região. Algumas das tais 91 terão sido redescobertas nessas parcelas antigas. Esse projecto terminou precisamente em 2015, mas Vanda Pedroso continua a fazer prospecção, agora com o apoio da Associação Portuguesa para Diversidade da Videira (PORVID) – que financia os vasos e o seu transporte para Pegões, onde fica o Pólo Experimental Central para a Conservação da Variabilidade Genética das Videiras Autóctones – e da DRAPC, o seu empregador, que lhe permite dispor do tempo para o efeito.
“Andei por aí à procura dessas variedades antigas”, conta-nos com modéstia. Nas Vinhas Velhas da região há “40 e tal castas”, mas essas parcelas “estão nas mãos de pequenos viticultores com muita idade”, que “sem ninguém que lhes siga as pisadas, acabam por arrancar as vinhas”. Daí que seja tão importante a magistratura de influência que exerce junto de algumas casas.
“Conseguimos no CEVD retirar da lista das chamadas Castas Minoritárias muitas castas e neste momento os viticultores podem utilizá-las, porque têm campo de multiplicação”. O seu trabalho incentivou os produtores a pegar em castas como a Uva-Cão ou a Barcelo.
A sua família é toda alfacinha mas há uma importante ligação à terra, ao vinho e ao Dão: o pai foi contabilista da Casa Santos Lima, que chegou a deter na região a Casa da Passarella e ainda é proprietária de vinhas por aquelas bandas. Por isso, ouvir esta técnica de viticultura é aprender mais sobre as vinhas mas também sobre a história de uma região demarcada desde 1908.
Numa estrada secundária, Vanda chama a nossa atenção para uma plataforma de granito embutida num muro, onde se colocavam outrora as dornas, da altura de um homem. “A carroça encostava ali para as levar. Hoje é só pinhal e eucalipto daquele muro para dentro”.
“Há uma coisa no Dão: se for pelas estradas principais, não vê vinha. Para ver vinha, é preciso andar por estas estradas secundárias”. E Vanda conhece-as todas, parece. De resto, é de andar no terreno que mais gosta, a ver as vinhas, a descobrir coisas “novas” e a falar com os técnicos.
Quando em 2014 a lei orgânica do estatuto da região retirou competências de experimentação ao CEVD, o centro deixou de poder ser parceiro das mais diversas entidades em projectos de investigação. Mas isso não impediu Vanda de continuar a investigar, como se percebe pelo projecto das alterações climáticas. “E recentemente propus-me fazer um curso de identificação de castas, para que os técnicos sejam fieis depositários deste património. Eram para ser 15 pessoas e tive 32 inscrições”. Esse curso foi em Julho, mesmo antes da nossa reportagem, e enquanto nos guiava por alguns produtores – cujos técnicos fizeram a tal formação – a engenheira agrónoma ia verificando no terreno esta e aquela parcela.
Para um leigo na matéria, as diferenças entre plantas são ténues, mas para Vanda e para uma nova geração de técnicos que está cada vez mais atenta às vinhas velhas no Dão diferentes variedades têm diferentes folhas (cor, recorte, etc), cachos de formas distintas, mais ou menos exuberância, etc. “Passámos por 32 castas diferentes nesse curso”, conta, satisfeita. Tantas quantos os inscritos.
Quando chegou a Nelas, em 1982, Vanda não bebia vinho. Não gostava, mas com o tempo percebeu que só não gostava de vinhos maus. Aprendeu a gostar de vinhos no Centro, com Alberto Cardoso de Vilhena, o primeiro e único director do CEVD até à data e o técnico que “começou a estudar as castas no Dão” e “viu o potencial do Encruzado”. Gosta de Alfrocheiro, também ela pensa que pode ser factor de diferenciação.
Não faz planos para se reformar nos próximos três anos, pelo menos. E quando lhe perguntamos por seguidores ali no CEVD diz-nos que isso não é assim de um momento para o outro e que, no Estado, há concursos e tal. Mas lá acaba por explicar que tem passado algum conhecimento a um investigador da Escola Superior Agrária de Viseu que fez doutoramento na Quinta da Cale e com quem tem projectos, Pedro Rodrigues.
Os efeitos da crise climática na vinha já ditam a escolha de outras castas e mesmo de outros locais para novas plantações, como nos contou quando andámos no Dão em reportagem. “O Gouveio, por exemplo, sempre foi uma casta de equilíbrio numa região de blend. Mas o Dão não terá mais Gouveio. Ao primeiro calor, é uma casta que desaparece. Não vale a pena investir aí”, exemplifica. E sobre a corrida recente à encosta da Serra da Estrela, comenta: “Antigamente era onde desaconselhávamos, agora é onde estão a plantar. É onde há alguma defesa. E de certeza absoluta que vamos continuar a subir, Estrela e Caramulo, até onde o solo permitir produzir uva.”
Um dos estudos que ainda gostava de fazer, e sempre com a crise climática em mente, é sobre a condução das plantas. “É preciso mudar a forma de condução da sebe. E tem de ser feito já. É preciso ter meios [para fazer esse estudo]. Já vamos atrasados a trabalhar, mas mais vale tarde do que nunca”.