O novo Percurso da Biodiversidade da Quinta do Seixo, onde se fazem os Portos da Sandeman, quer ajudar a conservar a natureza do Douro e enquadra-se no projecto de sustentabilidade mais alargado que a Sogrape está a desenvolver.
Para além de mostrar aos visitantes as diferentes peças que compõem a belíssima paisagem da icónica quinta, a nova oferta quer envolvê-los no esforço de “abrir caminho para um planeta mais saudável” – o primeiro dos três pilares em que assenta o Programa Global de Sustentabilidade do grupo, lançado em 2021 e disponível para consulta online. E visa melhorar a biodiversidade vegetal e animal e, por conseguinte, o próprio ecossistema vitícola no Seixo.
De pendentes suaves, o percurso de cerca de um quilómetro rodeia o edifício da adega, loja e sala de provas e acompanha dois rios, o Torto, a nascente, e o Douro, na vertente norte poente. Várias placas “guiam” o visitante por uma paisagem-refúgio que evoluiu ao longo dos séculos.
“As pessoas podem comprar online ou quando chegam à quinta. E fazem a visita sozinhos, sem um guia. Entregamos-lhes um mapa, um chapéu e uma garrafa de água. Aconselhamos sempre a que o façam ao início da manhã ou ao final da tarde, por causa das temperaturas”, explica, à nossa chegada, Hélder Silva, da equipa de enoturismo.
Os conteúdos que encontramos espalhados pelo percurso, ressalva, foram produzidos em parceria com a Associação para o Desenvolvimento da Viticultura Duriense (ADVID) e dão conta de resultados dos projectos científicos BioDiVine e ECOVITIS, que estudaram a biodiversidade funcional na cultura da videira na região do Douro, com o objectivo de fomentar a limitação natural de pragas e doenças da vinha.
Paisagem evolutiva
Ficamos a saber isso logo no início deste passeio educativo. Também aprendemos que o nosso vale do Douro “é uma região de grande biodiversidade por causa da orografia, geologia e clima”, mas também por causa da sua história: “Geologicamente formada há mais de 300 milhões de anos, possui solos de xisto e é limitada por solos de granito, ambos adaptados a plantas de diferentes espécies.” Que o facto de a altitude subir abruptamente “desde o rio até mais de 1000 metros, em declives íngremes expostos a todos os pontos cardeais”, conserva a água da chuva de forma irregular, “originando microclimas” e habitats diversos. E ainda que “a deriva continental dos últimos 100 milhões de anos trouxe este vale desde latitudes equatoriais até à zona temperada”. É essa a explicação para encontrarmos hoje no Douro espécies outrora tropicais, como o medronho. Outras foram empurradas pelas sucessivas Idades do Gelo do Norte para o Sul da Europa, como o cedro, a bétula ou o pinheiro-bravo.
O homem e os sistemas agrícolas também contribuíram para criar ecossistemas naturais equilibrados, é verdade, mas aqueles “refugiados climáticos” enriqueceram durante séculos a biodiversidade local. Fascinante pensar que uma paisagem tão incrível como a do Douro Vinhateiro começou a ser esculpida muito antes da sua demarcação em 1756.
“Estamos 200 metros acima do nível do mar, mas toda a gente pensa que estamos mais alto”, observa Hélder Silva, que nos chama a atenção para o coberto vegetal entre as videiras. “No Verão, temos de o cortar para não competir com o ciclo da vinha, mas noutras alturas percebemos que existe e que funciona como uma esponja. Para reter água e não haver erosão.”
A quinta tem 100 hectares, 71 dos quais com vinha. Parte destas vinhas estão em modo de produção biológica – “são ensaios ainda”, diz-nos o responsável –, o resto em produção integrada, como toda a viticultura da Sogrape em Portugal.
Seguimos caminho e outro painel chama a nossa atenção para as infra-estruturas ecológicas que existem numa quinta como esta – muros, zonas de mato, olival. “Para mantermos esta biodiversidade, são precisas as bordaduras de oliveira e os muros de pedra”, atalha Hélder. E, de facto, nas encostas durienses é comum vermos videiras, claro, mas também oliveiras, amendoeiras e figueiras, enquanto nos planaltos há macieiras, cerejeiras, castanheiros e cereais. Pelo meio, nos solos mais difíceis ou inclinados, lá está o mato natural.
Essa paisagem é evolutiva, como percebemos durante o percurso. E logo à entrada da quinta. Em Julho, a Vinha do Portão estava a ser preparada para a replantação: foi retirada a vinha ao alto (plantada em linhas perpendiculares às curvas de nível) para criar patamares e “recuar às vinhas velhas do antigamente”.
Há um painel dedicado aos pilheiros. “São estes buracos nos muros, que tinham a função de escoar a água.” Os muros são de pedra posta e são permeáveis, mas com água torrencial podiam cair se não tivessem estes buracos, explicam-nos. “São também refúgio para lagartos e outras espécies.”
Por cima dos painéis, há estruturas onde a empresa quer ver os pássaros a nidificar. Foram colocadas já depois de a Primavera começar, “talvez para o ano” eles se sintam confiantes a usá-las.
Na berma do caminho, há “uma amostra” das árvores e arbustos que é possível encontrar na quinta, como o pilriteiro – cujo fruto fica vermelho no Outono –, o medronheiro, cujo “verde mais tropical quase destoa dos tons do Douro”, o folhado, a roseira-brava, a madressilva, a esteva – que dá nome a um vinho da Casa Ferreirinha, do universo Sogrape –, a roselha ou a estevinha.
Restaurante a caminho
Distraímo-nos com o voo de uma ave de rapina. “Talvez um búteo [águia-de-asa-redonda]”. Voltamos à conversa e ao percurso junto a uma oliveira, espécie que, pelas suas “reentrâncias e orifícios, serve de abrigo a outras aves de rapina, como as corujas, e a todo o tipo de artrópodes”. Nesta e noutras oliveiras foram colocados ninhos de madeira, que também piscam o olho à passarada que sobrevoa as vinhas.
Estamos já voltados para poente e vemos, lá em baixo, o comboio a passar na linha do Douro e, em frente, a Quinta do Porto, a mais antiga propriedade da Ferreira – também Sogrape – e onde Dona Antónia Adelaide Ferreira terá feito ensaios na vinha numa tentativa de encontrar uma cura para filoxera, praga que a partir de 1870 causava no Douro enormíssimos prejuízos e ameaçava arruinar toda a viticultura nacional.
Passamos por vinhas de uva tinta: Touriga Nacional, Touriga Franca, Tinta Roriz, Tinto Cão, Tinta Barroca, Sousão, Tinta Francisca. E cada talhão está identificado, com o nome e área da parcela e a casta plantada. Ao atravessarmos os sete hectares de Vinha Velha que existem na quinta, paramos para apreciar o trabalho feito com a confusão sexual da traça-da-uva ou mating disruption. Hélder Silva mostra-nos o que ao longe parece ser um fio bordeaux: “É uma forma sustentável de conseguirmos controlar a traça-da-uva.” Um “esparguete”, que “liberta umas hormonas de traça feminina e os machos andam ali à volta à procura da traça verdadeira”. Não se reproduzem e a equipa de viticultura reduz a população de um insecto que põe ovos nas uvas destruindo os bagos.
Para além das tintas plantadas na Quinta do Seixo, lemos sobre as uvas brancas Gouveio, Viosinho, Malvasia Fina e Códega-de-Larinho. Nas vinhas, como noutras culturas, os antigos souberam conservar a variabilidade genética que ajuda a explicar como o Douro é uma das mais ricas regiões vitivinícolas da Europa, com 115 castas autorizadas para produzir vinhos do Porto e Douro. Por estarem bem adaptadas a microclimas e solos – só na Quinta do Seixo, são três os tipos de solo –, as culturas estarão também mais protegidas contra variações extremas do clima, pragas e doenças.
A Sogrape quer implementar algumas melhorias neste Percurso da Biodiversidade, por exemplo colocando pontos de paragem. E também quer dedicar mais tempo a quem visita as suas quintas. Em Setembro, haverá mais novidades no Seixo, com a inauguração de um restaurante em parceria com o chef Vasco Coelho Santos. Uma oferta que deverá arrancar em soft opening ainda este mês.
O Seixo recebe 100 mil visitantes por ano, com as visitas de nacionais (menos de 20 por cento) sempre a crescer, mas quer ir ao encontro de uma nova geração, que chega ao Douro com mais perguntas e outras preocupações.