Polícia brasileira resgata valiosa pintura da modernista Tarsila do Amaral

Sol Poente (1929), uma tela do período áureo da artista, pode valer algumas dezenas de milhões de euros. Tinha sido roubada num esquema montado pela filha da proprietária, que envolvia uma suposta vidente.

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Sol Poente, de Tarsila do Amaral dr

A Polícia Civil do Rio de Janeiro recuperou esta quarta-feira, entre outros quadros, uma importante obra de Tarsila do Amaral (1886-1973), figura central do modernismo brasileiro, que estava escondida debaixo da cama de um dos suspeitos envolvidos num golpe milionário contra a viúva do conhecido coleccionador e negociante de arte Jean Boghici, que morreu em 2015.

Sol Poente, de 1929, uma obra da fase mais reconhecida da pintora, realizada apenas um ano após Abaporu, uma obra-prima seminal do modernismo brasileiro que inspirou o célebre Manifesto Antropófago do escritor Oswald de Andrade, marido de Tarsila, poderá valer, segundo o jornal brasileiro O Globo, perto de 50 milhões de euros.

Num vídeo da operação policial gravado pelas próprias autoridades num apartamento de Ipanema, e publicado nas redes sociais, ouve-se a exclamação de espanto da agente que encontrou a tela: “Eita, olha quem está aqui. Ô belezinha”, na transcrição do diário Folha de S. Paulo.

Segundo o jornal O Globo, a polícia prendeu a filha de Jean Boghici, Sabine, e mais três pessoas suspeitas de envolvimento no roubo de obras de arte estimadas em quase 140 milhões de euros a Geneviève Boghici, viúva do coleccionador. Entre os cúmplices de Sabine contar-se-á uma falsa vidente e o seu filho, sob cuja cama foi agora encontrada a pintura de Tarsila do Amaral.

Um comunicado da polícia afirma que o esquema começou no início de 2020, quando Sabine simulou uma doença e contratou uma falsa médium para dizer à sua mãe que a filha estava a morrer e que só um dispendioso tratamento a poderia salvar. A viúva acabou por suspeitar que estava a ser ludibriada e recusou-se a pagar mais, tendo então sido confinada à força na sua casa do Rio de Janeiro pela filha e respectivos cúmplices, que a ameaçaram e agrediram, e começaram a saquear gradualmente as obras de arte que herdara do marido. Várias delas já foram entretanto vendidas.

Uma parte da colecção já se perdera há dez anos, quando deflagrou um incêndio na casa onde a família então morava em Copacabana. Sabine, segundo ela própria contaria na época à Folha de S. Paulo, terá então salvado vários gatos, entrando na casa contra as recomendações dos bombeiros. Conhecida como vegetariana e defensora militante dos direitos dos animais, chegou a protagonizar uma série televisiva intitulada Amor de Pet: Sabine e Seus Adoráveis Bichinhos Adoptados.

Embora sublinhe o valor de Sol Poente, lembrando que a obra esteve em várias exposições institucionais e que até chegou a ser comercializada como puzzle, a Folha de S. Paulo não se arrisca a estimar-lhe um valor muito preciso. Mas admite que possa valer mais do que A Lua (1928), um trabalho da pintora pelo qual o Museu de Arte Moderna de Nova Iorque (MoMA) terá desembolsado – o valor nunca foi confirmado – cerca de 15 milhões de euros, ou do que o auto-retrato A Caipirinha, de 1923, que no final de 2020 rendeu em leilão 57,5 milhões de reais, que corresponderiam hoje a 11 milhões de euros, o valor mais alto alcançado por uma obra de artista brasileiro numa venda pública.

Ao todo terão sido roubadas 16 obras, várias delas entretanto já vendidas, e que incluirão Mascarada, de outro grande pintor modernista brasileiro, Di Cavalcanti, e mais duas importantes obras de Tarsila do Amaral: Pont-Neuf, de 1923, e O Sono (1928), do mesmo período de Sol Poente. A polícia já conseguiu rastrear o percurso de algumas das obras: duas foram compradas por um museu argentino, três apareceram numa galeria paulista, e outras terão sido vendidas a coleccionadores internacionais.

Se Tarsila do Amaral é há muito considerada um dos expoentes do modernismo sul-americano, o seu nome tem sido bastante recordado no Brasil por estes dias enquanto co-promotora da célebre Semana de Arte Moderna de 1922, em São Paulo, considerada um marco decisivo na criação de uma arte genuinamente brasileira, e cuja evocação integra o programa das comemorações do bicentenário da independência do país.

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