Seis mitos à volta do orgasmo: o clímax que pode tornar o prazer numa pressão

Para assinalar o Dia Mundial do Orgasmo, o PÚBLICO falou com três especialistas sobre este clímax que, muitas vezes, é visto como a principal manifestação da satisfação sexual. Não há um “prazer ideal”: cada experiência sexual é única e individual, dizem.

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Exposição Amor Veneris – Viagem ao Prazer Sexual Feminino, patente no Palácio dos Anjos, em Algés Rui Gaudencio/Arquivo

Sexo só vale a pena se houver orgasmo. E o orgasmo tem de ser intenso, delirante e só é verdadeiramente mágico se for em simultâneo com a outra pessoa. Além do mais, quanto mais exteriorizado for, quanto mais altos forem os gemidos, mais forte terá sido o prazer sentido.

No fundo, precisa de ser tal qual o orgasmo mais icónico do mundo cinematográfico: a cena em que a actriz Meg Ryan demonstra como fingir um orgasmo, num restaurante, em When Harry Met Sally (1989).

Caso contrário, algo estará errado. Mas será mesmo assim? Neste domingo, 31 de Julho, celebra-se o Dia Mundial do Orgasmo e o PÚBLICO falou com três terapeutas sexuais para desvendar seis mitos acerca deste conceito sobre o qual muito se fala, mas pouco se conhece.

Algo está de errado na relação se não houver orgasmo

Não há nada errado, porque o prazer vai muito além disso”, e não é o orgasmo que comprova se houve ou não satisfação sexual, concordam as especialistas ouvidas pelo PÚBLICO. O que deve ser valorizado é a excitação sexual e a “qualidade dos estímulos” durante a relação com o outro, como a cumplicidade e a conexão.

“Às vezes interpretamos de uma forma muito factual e de causa e efeito. [Pensamos] que não há satisfação se não houver orgasmo. Não é necessariamente assim”, aponta a psicóloga clínica e terapeuta sexual Joana Almeida.

E esta ideia de um “prazer ideal” até pode causar pressão no casal ou chegar a ser um acto de coerção, alerta Ana Carvalheira, investigadora do ISPA-Instituto Universitário. Isto porque o orgasmo é visto, sobretudo entre os homens, como uma “forma de validação da performance sexual” — não é por acaso que as mulheres começaram a fingir o orgasmo, acrescenta a especialista.

O orgasmo é sempre um momento de grande intensidade

A forma como cada um experiencia e expressa o orgasmo é individual e única. Daí que nem sempre existam gemidos ruidosos ou uma grande cerimónia associada ao momento, como se conhece dos filmes e das séries. É justamente pelo facto de a sociedade ocidental estar exposta à mesma cultura que há uma uniformização e idealização do que deve ser a resposta sexual: “A maneira de gemer também está muito influenciada de como se geme em Hollywood e como é que achamos que devemos gemer todos”, brinca Joana Almeida.

“Fora dos filmes, na vida real, não é sempre assim”, reitera Ana Carvalheira. “Às vezes [o orgasmo] é intenso, outras vezes é subtil, discreto, outras explosivo, prolongado, às vezes fugaz.”

A diferença na sensação é tamanha que os mais reservados podem ficar na dúvida se terão chegado realmente ao orgasmo, lembra ainda a terapeuta sexual Marta Crawford. O à-vontade entre o casal também influencia a intensidade e a exteriorização do momento.

O orgasmo deve ser simultâneo

A resposta é simples: um orgasmo simultâneo “ou é casualidade ou é muita prática”, resume Ana Carvalheira. “São mais as vezes em que não acontece do que aquelas em que acontece”, reforça Marta Crawford, acrescentando que só ocorre se houver “uma grande sintonia e experiência de autoconhecimento”.

Tanto que esta noção idealizada de que a conexão com o outro só fica completa quando o orgasmo é simultâneo não faz muito sentido, considerando que, durante os poucos segundos em que dura o orgasmo, “o protagonista não quer saber do outro para nada, até fecha os olhos e se desliga”, refere Ana Carvalheira. “É uma experiência partilhada, mas as pessoas têm ritmos diferentes.”

Só existe orgasmo se estiver envolvido o toque físico

Tudo depende do grau de excitação que se consiga alcançar por meio de um pensamento erótico, mas os estudos comprovam que é possível ter um orgasmo sem estimulação física. É o que acontece durante os famosos “sonhos molhados”.

Aliás, as pessoas com deficiência física são um bom exemplo de como se pode recorrer ao “desenvolvimento cognitivo para sentir o prazer de muitas maneiras diferentes”, observa Joana Almeida.

Recorde-se que toda a dimensão da imaginação tem um papel importante quando se fala de erotismo. “A mente é poderosíssima”, aponta Ana Carvalheira.

O preservativo inibe o homem de alcançar o orgasmo

O problema não está no preservativo, mas sim no preconceito e receio que giram à sua volta. “Se eu tiver a fantasia de que vou perder a sensibilidade ou a erecção, se vou ficar atrapalhado ao colocá-lo, isso é que me faz perder a erecção”, sublinha Marta Crawford.

Ainda que a sensibilidade possa ficar afectada, esta “menor sensibilidade pode ser compensada pela maior liberdade e à-vontade de se sentir que se está a prevenir uma situação indesejada”, diz Joana Almeida.

Facto é que o preservativo é fundamental, lembram as especialistas, quer na protecção contra as doenças sexualmente transmissíveis, quer na prevenção de gravidezes não desejadas. E no mercado a escolha é vasta: certos preservativos ajudam a prolongar a erecção e outros têm lubrificantes retardantes, por exemplo.

A mulher só atinge o orgasmo através da penetração

É sabido que a sexualidade feminina só começou a ser valorizada muito mais tarde comparativamente à dos homens, sendo que o clitóris — o órgão que serve unicamente para o prazer feminino — ainda hoje se mantém uma incógnita para muitos. No fundo, continua a vigorar uma “visão muito fálica do sexo”, ou seja, “ver a penetração vaginal como o caminho para o orgasmo da mulher acaba por ser uma visão masculina da sexualidade feminina”, sublinha Joana Almeida.

Este pensamento pode ser até redutor “quando temos um corpo tão vasto para explorar ao fazer amor”, prossegue. Práticas como as carícias, o toque ou o sexo oral também podem levar ao orgasmo.

É só uma questão de se ter a “abertura e o interesse” necessários para ingressar na “jornada de exploração dos estímulos que cada mulher precisa”, estímulos estes que vão variando com a idade, conclui Ana Carvalheira.

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