Um Gabinete Brasileiro de Leitura em Lisboa para “estreitar laços” com a maior comunidade imigrante do país

No ano em que se assinalam dois séculos da independência do Brasil, a Câmara de Lisboa foi unânime na aprovação de uma proposta do Livre sobre a criação de um Gabinete Brasileiro de Leitura em Lisboa, à semelhança dos que existem, por exemplo, no Rio de Janeiro, Salvador ou Recife, dedicados à língua portuguesa e fundados por emigrantes portugueses.

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Uma das opções levantadas por Rui Tavares é colocar o Gabinete de Leitura na estação do Rossio MIGUEL MADEIRA/Arquivo

Algures nos inícios de 1837, um grupo de emigrantes portugueses no Rio de Janeiro, no Brasil, quis juntar-se para “expandir o conhecimento da comunidade portuguesa ali residente e alargar os seus horizontes de leitura”, dando os primeiros passos do que, décadas mais tarde, se tornaria o Real Gabinete Português de Leitura, hoje “uma das mais belas bibliotecas do mundo”. Quase 200 anos depois, e a propósito do bicentenário da independência do Brasil, o Livre quer celebrá-lo do lado de cá do Atlântico e propôs à Câmara de Lisboa que encabece a criação de um Gabinete Brasileiro de Leitura na capital.

“Os laços da cultura, da literatura, são os que mais dizem aos povos, independentemente dos governantes que tenham em determinado momento”, diz ao PÚBLICO o vereador do Livre, Rui Tavares. Por isso, sugere que, passado o tempo de comemorações, sobre algo físico e permanente na cidade, que ajude a “estreitar laços” com esta que é a maior comunidade imigrante do país, com cerca de 210 mil pessoas.

Terá sido esse o propósito que levou à criação do Real Gabinete Português de Leitura, na Rua Luís de Camões, no centro do Rio de Janeiro, pela mão de 43 portugueses imigrantes — uns homens de negócios, outros refugiados políticos. Por ocasião do tricentenário da morte de Luís de Camões, em 1880, os dirigentes começaram a construção de um edifício que fosse condizente com a importância da instituição.

Foi concluído em 1887, com traço neomanuelino a evocar a epopeia camoniana, e volvido mais de século e meio tem mais de 350 mil volumes, digitalizados, sendo hoje “uma das instituições mais prestigiadas no meio intelectual e académico pelo seu importante acervo bibliográfico”, refere a proposta do Livre, que reuniu o consenso de todo o executivo camarário e foi aprovada na semana passada.

Além desta biblioteca no Rio de Janeiro, foram criados mais dois Gabinetes Portugueses de Leitura no Brasil: o Gabinete Português de Leitura de Pernambuco, no Recife, fundado em 1850 por emigrantes portugueses, e o Gabinete Português de Leitura de Salvador, Bahia, fundado em 1863.

Na visão do Livre, Lisboa deveria ter também um espaço como estes, dedicado às obras e aos autores brasileiros, para que a população, estudantes e investigadores tenham acesso a documentos que nem sempre são de fácil acesso. “Parece-nos que é uma ideia realista, com custos reduzidos, e algo de que a população se pode apropriar, e que pode vir a ter sucesso”, acredita Rui Tavares.

No país, não existe nenhum local que se assemelhe ao que seria o Gabinete Brasileiro de Leitura, “que valorize a riqueza da literatura brasileira e reforce a cooperação cultural entre os dois países”, diz o Livre, embora existam centros de investigação e associações locais da comunidade imigrante brasileira.

À câmara compete agora fazer contactos com instituições e fundações brasileiras que possam doar obras para a criação desse acervo bibliográfico. Será uma forma de “facilitar aos cidadãos brasileiros residentes em Portugal a leitura gratuita de autores” e, por outro lado, “aos cidadãos portugueses, e não só, a versão original das obras, contribuindo assim para a aceitação e integração de expressões e de sintaxe diferenciadas e para a redução do preconceito através da língua e facilitar a integração dos cidadãos”.

Do lado brasileiro, a receptividade será grande, acredita o historiador, que esteve recentemente na Bienal do Livro de São Paulo e foi falando desta ideia a várias instituições.

Caberá agora também ao município identificar um espaço onde esta biblioteca dedicada à cultura e à literatura brasileira possa ser instalada. Rui Tavares atira dois espaços, mas realça que são apenas dois “estímulos à imaginação”: a estação do Rossio, central para quem está de visita a cidade e para quem se desloca dos municípios vizinhos todos os dias (e que são também casa para muitos imigrantes), e que arquitectonicamente vai buscar semelhanças ao neomanuelino do Real Gabinete Português de Leitura do Rio de Janeiro. Mas também um edifício em Art Déco, na Avenida Álvares Cabral, que em tempos albergou o antigo Jardim Cinema e está actualmente ocupado.

O vereador espera agora que a proposta não caia “em saco roto”, aguardando que o executivo de Carlos Moedas encete alguns esforços para a sua concretização — e faça o mesmo em relação à Escola do Exílio, uma moção que o Livre viu aprovada em Março passado e que prevê a criação de um espaço para integrar académicos, intelectuais e artistas refugiados que procuram acolhimento na cidade. E quem sabe deixar também um exemplo do que se poderia fazer para as antigas colónias portuguesas em África, que dentro de poucos anos cumprirão 50 anos de independência.

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