Exposição
Uma homenagem às mães e avós das aldeias portuguesas: são As Bravas
Elas nasceram há mais de 70 anos numa altura em que o seu esforço de trabalho nos campos de cultivo e nas suas casas, cuidando dos filhos, não era valorizado ou reconhecido. São mães e avós; são fortes, trabalhadoras, cuidadoras. São As Bravas, de Paulo Pimenta, uma exposição para ver em Amarante. Quem não conhece ou tem por perto mulheres assim?
Aos 83 anos, Maria das Dores ainda sobe e desce diariamente um monte íngreme para recolher lenha. O molho de troncos amarrados por um fio que carrega sobre a cabeça, à descida, serve para acender o forno e aquecer a sua casa, em Vila Chã do Marão, Amarante.
Maria da Graça Mendes, de 87 anos, vive num lugar isolado de Olo, uma aldeia do concelho de Amarante onde não mora quase ninguém. É, diz quem a conhece, “uma das pessoas mais queridas e afáveis, apesar da solidão extrema”.
Emília, de 83 anos, trabalhou toda a vida no campo, em Vila Chã do Marão, ao mesmo tempo que cuidava da casa e dos filhos. Quando o marido, que era sapateiro, adoeceu, ela passou a coser sapatos à noite para garantir o sustento de todos.
São idosas, são mulheres, são mães e avós; são fortes, trabalhadoras, protectoras, cuidadoras. Fátima, Emília, Dores, Angelina, Maria Assunção, Maria da Graça, Alice, Maria do Carmo, Ana e as duas irmãs Ribeiro vivem das remotas aldeias de Vila Chã do Marão e de Olo, em Amarante, mas podiam ser de outras paragens do território rural português. Quem não conhece ou tem por perto mulheres assim? Mas assim como? Bravas é a resposta do fotojornalista do PÚBLICO Paulo Pimenta, que as retratou ao longo de vários meses para o projecto homónimo, As Bravas, desenvolvido em conjunto com a PELE Associação Cultural e Social.
Têm entre 62 e 87 anos e partilham o facto de terem tido uma vida profundamente marcada pelo trabalho. “A maioria destas mulheres levantava-se de madrugada para trabalhar no campo, realizando trabalho braçal, pesado”, explica ao P3 Maria João Mota, uma das directoras artísticas do projecto que se encontra em exposição, até dia 3 de Julho, nos Claustros do Mosteiro de São Gonçalo, ao abrigo do Festival Internacional de Fotografia de Amarante. “E para além do trabalho no campo, elas ainda cuidavam, sem qualquer tipo de apoio, da família, dos filhos e das lides da casa.”
O projecto As Bravas nasceu da vontade da associação portuense de recolher as histórias de vida destas mulheres, compreender as suas identidades e compilar o conhecimento que encerram em si, nomeadamente das canções populares da região e das “mezinhas”, receitas e remédios tradicionais que fazem parte do seu quotidiano. “Elas detêm um património em vias de extinção”, refere Inês Lapa. “A sua sabedoria ancestral torna-as admiráveis.” Chamar a atenção para questões de género sob uma perspectiva geracional e intergeracional foi também um dos objectivos principais.
“Antes da participação neste projecto, elas viam o seu esforço de vida apenas como algo que tinha de ser”, explica Inês Lapa, co-directora artística, ao P3. “Não tinha de ser valorizado porque era simplesmente necessário: tinham de trabalhar no campo para sustentar os filhos. Pensavam que nunca tinham feito nada de especial porque não tinham estudado ou deixado uma obra incomum.” Após uma conversa retrospectiva sobre o seu percurso de vida, muitas concluíram que sim, houve nelas bravura para poderem enfrentar desafios e alcançar objectivos. E que o seu contributo foi e é valioso para as suas famílias e comunidade. “Há 50 ou 60 anos, o trabalho doméstico não era valorizado”, reflecte Inês. Hoje, afirma, elas estão mais conscientes do seu esforço.
Os retratos destas mulheres, feitos em período de pandemia, foram realizados em lugares escolhidos por elas e o “manto verde” que cobre os seus corpos foi talhado com as próprias mãos. “Para elas, serem fotografadas, serem alvo de interesse, ‘objecto’ de criação artística, foi uma experiência muito marcante. Era impensável verem, um dia, de repente, as suas histórias de vida reconhecidas e a servirem de fonte de inspiração para outras pessoas”, explica Inês. “Isso foi muito importante para elas.”
Para Paulo Pimenta, a experiência de fotografar “estas mulheres lutadoras” foi inesquecível, disse ao P3. “Não tenho palavras para definir o que senti quando as conheci e ouvi as suas histórias. São mulheres de referência que nunca vou esquecer. Foi um privilégio fotografar estas bravas.”