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Aliu é cego e fotografa como quem ouve — o seu mundo venceu o prémio Novos Talentos Fnac

Guineense é co-autor do projecto fotográfico Do Teu Ombro Vejo o Mundo, que venceu, pela mão do fotojornalista João Silva, recentemente os Prémios Novos Talentos Fnac. “Eu sentia que ele via mais cores do que eu”, contou João ao P3. A série encontra-se em exposição no espaço da Narrativa, em Lisboa.

©João Silva
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Foi ainda antes da pandemia que o fotojornalista João Silva conheceu Aliu Baio, em Lisboa - e assim que conheceu a sua história, percebeu que merecia ser partilhada com o mundo de uma forma especial. “O Aliu nasceu cego de um olho, em 1994, na Guiné-Bissau”, pode ler-se na sinopse do projecto que desenvolveu ao longo de 2019, intitulado Do Teu Ombro Vejo o Mundo, que venceu a última edição do prémio Novos Talentos Fnac.

Em Junho de 1998, quando estalou a guerra civil em Bissau, Aliu tinha apenas quatro anos. “Num dia como tantos, brincava com os irmãos na estrada de sempre quando veículos militares e soldados interpelaram a população local”, descreve João. “Assustado, fugiu com os seus amigos e irmãos para um campo de plantação de caju, onde acidentalmente feriu o olho que lhe permitia ver.” Sem acesso a cuidados médicos devido à guerra, o estado da sua visão sofreu deterioração até se extinguir. “Aliu Baio é cego, mas apesar disso a sua condição não o limita”, explica o fotojornalista. De nenhuma forma. A prova disso é a sua predisposição para a fotografia. E para a música. E para o teatro. E para a boa disposição, em geral. “O Aliu tem mil projectos.”

Inicialmente, João pretendia apenas acompanhar Aliu na sua rotina. “Imaginava esta história contada através de uma linguagem mais fotojornalística”, explica ao P3, em entrevista, a partir de Braga. A sua abordagem, no entanto, mudou. “O trabalho foi crescendo, amadurecendo com o tempo.” Abriu, assim, portas à experimentação e à criatividade de Aliu, que partilha a autoria do projecto. “Fui-lhe dando câmaras fotográficas descartáveis para a mão e ele foi fotografando.” As fotografias de João vieram ao mundo a preto e branco e as de Aliu a cores. “Eu sentia que ele via mais cores do que eu”, diz João, entusiasticamente. Mas como? “Ele não foi sempre cego.”

Mesmo antes de João conhecer Aliu, ele já fotografava. “Eu não sabia, mas o iPhone tem um modo de funcionamento para invisuais que descreve o que está no enquadramento; o Aliu usava-o com muita regularidade.” O guineense não fotografa com o olhar, mas utiliza os outros sentidos – e os sentidos de outros. “A audição é muito importante para o Aliu no momento de fotografar. Quando passa uma mota, por exemplo, ele espera pelo momento em que se aproxima para apontar a câmara e premir o botão. Ele apercebe-se de texturas sonoras e tenta captá-las visualmente.” E apoia-se noutras pessoas para perceber o que o rodeia, de forma a poder controlar, pelo menos, o que irá estar contido no enquadramento. É apoiado nos ombros de outros que Aliu vê o mundo.

Ao longo dos muitos meses de convivência, João e Aliu desenvolveram uma proximidade que se torna evidente nas imagens que compõem a série fotográfica de ambos. “O Aliu é uma pessoa muito especial. É extremamente alegre, intuitivo, bem-humorado.” Vive numa instituição para cegos, em Parede; estudou Psicologia na faculdade e é baterista numa banda de jazz chamada Vertigem. “Mesmo relativamente à sua condição de cego, ele mantém o bom humor. A bio da sua conta de Instagram apresentava-o como ‘médico cirurgião e sniper nas horas vagas’. Ele é esse tipo de pessoa.”

Do Teu Ombro Vejo o Mundo encontra-se, presentemente, em exposição no espaço Narrativa, em Lisboa, onde ficará até ao dia 1 de Agosto. João Silva, que foi colaborador do PÚBLICO, foi distinguido, em 2015, com o Prémio Estação Imagem, com o projecto Paralelos e é, presentemente, o fotógrafo oficial do Sporting Clube de Braga.

©Aliu Baio
©Aliu Baio
©João Silva
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