Borda D’Arte é um almanaque que não prevê a chuva, mas discute os tempos
O projecto da Associação Prado é um cadáver esquisito que explora os acontecimentos de cada data, ligando o passado, o presente e o futuro. Escritos por Pedro Vieira, Isabel Campante e Patrícia Portela, os textos são publicados todos os dias.
É um cadáver esquisito, quase tão esquisito como a realidade que discute. Chama-se Borda D’Arte, numa homenagem assumida ao almanaque Borda D’Água, mas não prevê as chuvas.
O Borda D’Arte é um projecto da Associação Prado que nasceu pelas mãos de Patrícia Portela, Isabel Campante e Pedro Vieira. Desde 23 de Abril, todos os dias, no Twitter, Facebook e Instagram, publicam um texto que usa como base a presente data, mas explora temas que tanto podem estar na ordem do dia, como podem ter estado na ordem do dia de há 500 anos. Num verdadeiro cadavre exquis, cada texto começa com a frase que encerrou o texto do dia anterior. O resultado é um almanaque que vai crescendo todos os dias e que pode hoje dissertar sobre a crise de refugidos e amanhã lembrar o nascimento de Machado de Assis ou a morte de Padre António Vieira.
Patrícia Portela define o projecto como “uma espécie de guia, de almanaque para os dias comuns, sobre o que fazemos no quotidiano e sobre os eventos culturais e artísticos que existem numa cidade, no país, na Europa, no mundo”. Numa “época de especialização” em que está “cada um no seu cantinho”, a autora do projecto explica que o Borda D’Arte cria um “diálogo entre tempos, cidades, países, projectos e temas”. Os textos não são assinados e objectivo é manter a iniciativa, pelo menos, durante um ano inteiro.
E num mundo onde acontece tanta coisa, como decidir sobre o que escrever? “É o processo criativo em tempo real. É um bocado instintivo”, confessa Patrícia Portela. Mas por mais díspares que possam ser os temas tratados, há algo que orienta a linearidade da Borda D’Arte.
“Tem uma linha por baixo de todos [os textos] que é discutir o que é isto da Europa. O que é que nos une. Se calhar não é o projecto financeiro, não é a nossa relação com a guerra da Ucrânia. Se calhar é exactamente o facto de pensarmos no futuro que queremos construir”, explica a co-autora do projecto.
À medida que o projecto vai crescendo, texto a texto, Patrícia Portela fala sobre o papel dos leitores na evolução do Borda: “Nós vamos tendo mais seguidores e isso também influencia a forma como vamos escrevendo e respondendo uns aos outros. Se formos ver os primeiros textos, são muito diferentes do que são agora. A voz está a nascer em movimento.”
Durante o festival Jardins Efémeros, em Viseu, vão fazer-se capítulos extra diários relacionados com o tema do festival — a incerteza —, que a autora considera “extremamente europeu”. Com base na parceria com a Rota Clandestina, em Setúbal, está nos planos dos criadores do projecto uma edição impressa ou um podcast.
Sem fins lucrativos, o projecto que uma das autoras considera “uma maluquice”, pretende criar novos espaços de reflexão, de discussão e de diálogo. “É uma espécie de luta contra a monocultura e lado homogéneo de tudo. Uma luta muito pequenina, de formiguinha, diária, contra o pensamento único. E isso é fundamental”, afirma.
Texto editado por Renata Monteiro