Criticada no Parlamento, ministra indica respostas para o SNS. “Contratar todos, recrutar no estrangeiro e pagar melhor”
Marta Temido foi criticada da esquerda à direita parlamentar, tendo sido desafiada pelo Chega a demitir-se. Ministra admitiu a existência de falta de médicos, mas afirmou que o Governo tem repostas, entre elas “aumentar as idoneidades formativas” e “pagar melhor, designadamente com a proposta que está em cima da mesa para melhorar o SNS.”
As críticas à gestão da saúde fizeram-se ouvir da direita à esquerda. No debate urgente, requerido pelo Chega, “sobre o caos instalado nos serviços de urgência de ginecologia e obstetrícia do país”, André Ventura lembrou, esta sexta-feira no parlamento, os vários encerramentos de urgências obstétricas, assim como a morte de um bebé nas Caldas da Rainha. “Precisamos de acção, de decisão. Seja capaz de o fazer ou ponha lugar à disposição”, disse o líder do Chega.
Às muitas criticas e questões, a ministra Marta Temido admitiu a existência de falta de médicos, mas afirmou que o Governo tem repostas: “Contratar todos, formar mais, aumentar as idoneidades formativas, alargar o recrutamento ao estrangeiro, pagar melhor, designadamente com a proposta que está em cima da mesa” e que foi apresentada aos sindicatos médicos.
Na declaração inaugural, André Ventura falou do “retrato de um país sem serviços de saúde e de uma ministra que só vem Parlamento porque foi obrigada por regimento a dar explicações”. Criticou Marta Temido por nada ter feito quando há muito se fala da falta de médicos, de ter terminado com as parcerias público-privadas (PPP) e pela falta de explicações depois de ter morrido um bebé “por falta de atendimento”. “Hoje é dia de responder se o caos não se repetirá nas próximas semanas”, disse ainda o líder do Chega, propondo o recurso aos privados como solução.
O tom das críticas manteve-se duro ao longo do debate. “Isto é colapso do SNS, mesmo que a máquina de propaganda do PS queira fazer pensar o contrário”, afirmou João Cotrim de Figueiredo, da Iniciativa Liberal, que culpabilizou o primeiro-ministro por aceitar “que se diabolize o privado” e que escolheu Marta Temido para ser ministra. “A popularidade não é a mesma coisa que competência”, atirou para a ministra da Saúde, afirmando que “competência teria sido não apresentar um plano de contingência que mais não é do que um penso rápido”. Cotrim de Figueiredo afirmou que “o problema do SNS não é dinheiro, é de concepção e de gestão”. “Para salvar o SNS, este tem de ser profundamente reformado. Para essa reforma podem contar com a Iniciativa Liberal. Pergunto se para essa reforma podemos contar com esta ministra”, disse.
Também o PSD, pela voz de Rui Cristina, afirmou que vai estar “vigilante”. “O PS não pode negar as suas enormes responsabilidades pelas dificuldades do SNS”, disse, lembrando que cerca de 1,4 milhões de utentes não têm acesso a médico de família. Defendeu a proposta do PSD de se contratarem médicos assistentes como resolução e do regresso das PPP. “Os tempos de espera não param de aumentar nas cirurgias e nas consultas. O SNS está abandonado à sua sorte, sem reformas estruturais nos últimos sete anos.”
"Governo acordou agora"
“O Governo acordou agora para a crise das urgências. Ainda bem que o fez, mas acordou muito tarde”, afirmou Rui Cristina, salientando que a crise “não era inesperada”. “Havia obrigação de antecipar soluções para garantir que as urgências não fechassem por falta de recursos, situação que devia ter sido evitada. Nada foi feito”, continuou, lembrando os gastos com as empresas de prestação de serviços que no ano passado ascenderam a 140 milhões de euros e que no primeiro trimestre deste ano são já de 34 milhões.
A esquerda, tirando o PS que mostrou o seu apoio ao Governo, também não poupou a actuação da ministra. “É de lamentar que só existam respostas quando existem trágicos incidentes, como a morte deste bebé. Até quando se vai fingir que não se sabe o que fazer para fixar médicos?”, questionou Inês Sousa Real, do PAN. Já Rui Tavares, do Livre, quis saber que fundos europeus criados durante a pandemia para apoiar os serviços não foram usados pelo Governo e o que vai este fazer para os profissionais de saúde que emigraram regressem aos hospitais nacionais.
“O que assistimos no SNS, com o caos em muitas urgências, é um problema estrutural”, afirmou Pedro Filipe Soares, deputado do BE. “Não sendo um problema de agora, pergunto porque é que deixou acontecer este caos no SNS. É no seu mandato que o SNS mais aumentou o investimento em tarefeiros, mais aumentou o recurso a privados. Como é que mais garante que defende o SNS, mais o colocou dependente de privados?”, questionou, afirmando que a proposta apresentada pelo ministério aos sindicatos médicos “é insistir na desigualdade” em vez de apostar nas carreiras.
Para o PCP, “o que o ministério da Saúde apresentou no plano não responde nem resolve” os problemas do SNS. “Como vai resolver necessidade de fixar profissionais de saúde? Como vai fixá-los? Tirando a proposta de aumento do valor pago nas urgências, que está a ser negociado com os sindicatos”, disse o deputado João Dias, o partido não viu mais nenhuma resposta a problemas estruturais.
"Não vou explorar os óbitos, o sofrimento de bebés"
Marta Temido assegurou que quer ela como o Governo têm estado sempre disponíveis para responder. “Não vou explorar os óbitos, o sofrimento de bebés, mães, de famílias, dos profissionais de saúde que se confrontam com situações limite. Vamos averiguar e apurar com toda a transparência o que falhou”, afirmou, acrescentando que para os problemas estruturais “há uma resposta e uma visão estratégica”. Recordou que em 2019, o parlamento aprovou a nova Lei de Bases da Saúde e que a sua implementação foi adiada por causa da pandemia e pela queda do anterior governo. “Estamos a recuperar o trabalho que estava a ser realizado, com autonomia nas contratações, pactos de permanência, dedicação plena, temas que têm de ser negociados com os sindicatos.”
“O novo estatuto do SNS tem a figura da direcção executiva destinada a melhorar a articulação e o funcionamento em rede da resposta. Para quem tanto criticou este projecto, talvez tenha ficado explicado porque precisamos dela”, afirmou Marta Temido, salientando que o Plano de Recuperação e Resiliência prevê a revisão das redes de referenciação hospitalares. “Não é nada que não estivesse previsto. Foi adiado por impossibilidade de concretização. As redes de referenciação são a chave da melhoria do SNS, a articulação com outros sectores também quando é necessária. Por isso, vamos prosseguir este caminho.”
A ministra reconheceu novamente a falta de médicos. Tínhamos 701 ginecologistas/obstetras, temos agora 802 e temos 38 pontos de resposta. Precisamos de mais médicos, de organizar melhor. É nessa linha a que estamos a trabalhar, articulando com todos”, afirmou a ministra. Em resposta a um pedido de esclarecimento de André Ventura sobre medidas, Marta Temido enumerou-as: Contratar todos, formar mais, aumentar as idoneidades formativas, alargar o recrutamento ao estrangeiro, pagar melhor, designadamente com a proposta que está em cima da mesa” e que foi apresentada aos sindicatos médicos na passada quinta-feira.