É sempre o coração que manda

António Mota conta um segredo à volta da palavra “família”. David Penela desenha-o e não escapa a reflectir sobre o ciclo da vida.

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David Penela
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Capa do livro “A Minha Família”, editado pelas Edições ASA David Penela

Diz o narrador: “Quando leio ou ouço a palavra ‘família’, penso na minha família, e começo logo a ver pássaros. Não percebo porque é que isso me acontece, mas juro que não estou a inventar.”

Vai descrevendo várias aves, de diferentes tamanhos, origens e condições. Em comum, todas seguem o “tum-tum, tum-tum, tum-tum…” do coração. É ele que manda. E, como dizia Luís Sepúlveda, “só voa quem se atreve a fazê-lo”.

Quando pedimos a António Mota que falasse sobre este livro, respondeu a uma pergunta que não lhe fizemos. Foi assim, por email: “Já perdi a conta às vezes que me perguntaram quanto tempo demoro a escrever um livro. Fico aflito, porque como não quero mentir, ponho-me a pensar nos livros que escrevi e o tempo que demorei a terminá-los e depois respondo que cada livro tem o seu percurso. E quem fez a pergunta fica desconsolado com a resposta.”

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“A palavra ‘família’ faz-me lembrar os pais a ensinar os passaritos a voar sem medo, com mil e vinte cuidados” David Penela

Depois, explica: “Em relação a este livro A Minha Família, tenho a resposta na ponta da língua: a ideia e a primeira versão ganharam forma com a ajuda da minha máquina de escrever Oliva no ano de 1980! Poucos meses depois, voltei ao texto e não gostei nada. Não era bem aquilo o que queria contar, faltava qualquer coisa, eu precisava de viver. Guardei as folhas numa pasta, seguindo o conselho do meu querido amigo António Torrado, que me ensinou que não se jogam fora os cavacos da oficina porque, mais tarde, podem ser muito úteis.”

Acabou por voltar ao texto mais algumas vezes, mas sem lhe mexer. Esqueceu-o durante 41 anos. “Em Janeiro de 2021”, conta o escritor de Baião, “o texto caiu-me na secretária, as folhas estavam amarelecidas e enferrujado o agrafo que as prendia”.

Foi então que soube qual seria o título do livro e descobriu também o que queria contar. “Imaginei que estava com esse livro aberto sobre os joelhos e contava aos meus netos como são os pássaros, quero dizer, as famílias. E terminava pondo a minha mão direita sobre o peito, dizendo: ‘Todos os pássaros têm um coração que bate assim: tum-tum, tum-tum, tum-tum... E o teu, como é que bate?’.

Terminou o livro no dia 6 de Abril de 2021. “O António Torrado tinha razão”, conclui. E bem.

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“Nunca faço barulho quando descubro dois pássaros preocupados com os ovos que a fêmea pôs dentro do ninho” David Penela

A dificuldade em desenhar pássaros com emoções

Para o ilustrador David Penela, o “principal constrangimento na criação de todas as ilustrações foi personificar, nos pássaros, emoções e todo um conjunto de experiências humanas”, diz ao PÚBLICO. E acrescenta: “Ilustrar este livro também me permitiu fazer uma reflexão sobre o ciclo de vida de um ser humano e as minhas próprias experiências.”

Gostamos do traço, da dinâmica, das cores e do ambiente. E a personificação foi conseguida.

Licenciado em Belas-Artes — Multimédia e mestre em Desenho e Técnicas de Impressão, David Penela vive e trabalha no Porto. Perguntámos-lhe sobre a técnica usada neste livro e obtivemos resposta: “Embora todos os esboços tenham começado com papel e lapiseira, e geralmente mantenho esta prática até às ilustrações finais, rapidamente passei para digital e Photoshop. A razão para esta decisão passou pela necessidade de alguns dos temas serem mais complexos e de precisar da liberdade de refazer e explorar livremente.” Mais um pássaro sem gaiola. Que bom.

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