Dança
As várias mortes e uma bailarina que, “sem parecer, é”: dois retratos pintados através da dança
O retrato de uma bailarina contém “unidade, individualidade” e uma ideia fundamental: “Sem parecer, ser”, explicam Joana von Mayer Trindade e Hugo Calhim Cristóvão. Portrait of a Dancer as Velvet, uma das duas peças do programa Retratos, do Teatro Municipal do Porto, quer “chegar abstractamente ao que é uma bailarina”, mostrando um retrato “que não é um retrato, mas um ser”. “Ficamos muito interessados numa ideia de Kandinsky, que diz que quando o mundo é mais conturbado, mais duro, a arte abstracta surge. O cenário é inspirado num desenho dele. E [contém] esta ideia de abstracção; a própria dança é uma arte que muitas vezes é tida como abstracta”, diz o coreógrafo e encenador.
Lançada a premissa, é a bailarina Sara Gil Agostinho que, ao longo de quase uma hora de música contínua, faz o retrato de uma bailarina — aqui captado pelo fotojornalista do PÚBLICO Paulo Pimenta. O esforço, exteriorizado pela respiração projectada ao longo de toda a peça, quer contrariar “os corpos que habitualmente não respiram, em apneia”, como habitualmente vemos no bailado clássico. “Os corpos não respiram para eliminar a ideia de esforço, para parecer algo gracioso e etéreo. As bailarinas não se chateiam, sorriem, aos 12 anos parecem senhorinhas.” Os criadores desta peça querem, assim, “redescobrir a beleza do que motiva as pessoas a quererem dançar”.
Também inserido no programa retratos, Joana Castro apresenta Rite of Decay, “uma dança sobre a morte ou várias mortes, propondo uma reflexão sobre o fim do mundo como uma metáfora para a nossa própria degradação”.
A peça surge no final de 2018, “após uma pausa para estar presente nos últimos tempos de uma pessoa próxima”, diz a coreógrafa, citada no site do Teatro Municipal do Porto. Para além das questões individuais, pesaram na criação da peça “questões colectivas e globais”: "A eleição da extrema-direita no Brasil, a saída do Reino Unido da União Europeia, o reconhecimento, pelos Estados Unidos da América, de Jerusalém como capital de Israel, evidenciando o apoio à política sionista de Israel e uma reforçada agressão ao povo palestino, e muitas outras guerras noutras partes do mundo, levaram-me a descobrir Emil Cioran, um filósofo franco-romeno que aborda as questões do tempo, da morte, do nascimento, do suicídio, com um pensamento radicalmente pessimista, niilista e paradoxal, que nega o valor da vida sem desejar a morte.” Foi assim que nasceu a investigação “de um corpo cheio de memórias que potenciam várias existências e suas mortes numa dança com os seus fantasmas mais vivências ou ancestrais”.
Portrait of a Dancer as Velvet estará em exibição esta sexta-feira e sábado (27 e 28 de Maio), às 19h e às 17h, no Teatro Municipal do Porto. Rite of Decay estará patente nos mesmos dias, às 21h30 e 19h30, respectivamente. Mariana Durães