Isto é o desporto ou quantas SAD posso criar?

1. Acabei recentemente de ler um artigo de autor italiano que, analisando o desporto – e a sua evolução -, destacava, na actualidade, a dimensão económica do mesmo. Não tanto pelos valores em causa – uma enormidade, diríamos nós -, mas mais pelo prisma do titular do poder desportivo nas mãos de entidades que, originariamente, nada tinham a ver com o desporto e que, contudo, hoje o fazem mover como autênticos parceiros, senão mesmo, por vezes, assemelhando-se àqueles que movimentam as marionetes.

Nesse (extenso) grupo, que modifica regras de jogo, altera horários de competições, determina a localização e o alcance de grandes eventos, entre tantas acções, encontramos os operadores de televisão, a publicidade, os patrocínios, etc. O desporto assume, pois, diversificadas dimensões, umas principais, outras acessórias, mas de quem agora falamos ocupa espaço de real importância. Este “desporto económico” marca o ritmo do outro ou outros desportos.

2. Também em Portugal, em tempos recentes, se assistiu a dois factos que, porventura, escandalizaram os mais distraídos, mas que se afirmam nesse espaço económico que domina o desporto, mesmo o nosso pacato desporto. O primeiro deles, vindo de passado recente, prende-se com a acção da Autoridade da Concorrência, que sancionou 31 sociedades desportivas que participaram na edição 2019-2020 das I e II Ligas e a Liga Portuguesa de Futebol Profissional. Quanto, no total? Cerca de 1,3 milhões de euros. Porquê? Por terem celebrado um acordo restritivo da concorrência que impedia a contratação pelos clubes das I e II Ligas de futebolistas que rescindissem unilateralmente o contrato de trabalho evocando questões provocadas pela pandemia de covid-19. Aditaríamos, prática também criticável de um ponto de vista da liberdade de trabalho dos jogadores profissionais.

3. A outra situação localiza-nos no passado dia 26 de Abril, data do acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa que, em linguagem corrente, expressou uma vitória (final?) ao Clube de Futebol “Os Belenenses” em diferendo que mantinha com uma sociedade desportiva da qual foi sócio fundador. De uma extensa decisão, merecedora de leitura atenta, destacamos agora duas que, a vingarem por inteiro, deixarão marcas. A primeira é a de que a lei não proíbe que o clube fundador de uma sociedade anónima desportiva (SAD), criada por personalização da sua equipa de futebol, possa alienar a totalidade das acções de que é titular na SAD, excluindo-se, pois, da sociedade. Por outro lado, se assim é, o clube não fica já sujeito a qualquer limitação legal que lhe imponha a impossibilidade de constituição de uma nova equipa de futebol, posto que os elementos que levaram à personalização da sua equipa anterior foram definitivamente transferidos para a SAD.

4. Ninguém se “meteu” com o desporto. Quando ele se colocou a jeito, evoluindo para o que agora se nos apresenta, nada nos pode surpreender. Não se pode querer tudo.

josemeirim@gmail.com

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