Demência: uma realidade convenientemente esquecida?
Enquanto isto se processa, no seio de tantas famílias, quais as respostas? Que entidades sociais e de saúde se encontram disponíveis para pessoas, na sua generalidade, idosas, com reformas abreviadas, apesar dos anos acumulados de trabalho?
É sabido que o Manual de Diagnóstico e Estatística das Perturbações Mentais, publicado em 2013, classifica a perturbação neurocognitiva, comummente conhecida como demência, através da deterioração de domínios cognitivos, de sintomas psicológicos e comportamentais (SPC), com impacto directo na funcionalidade.
Teoricamente, entende-se esta doença como progressiva e incurável, embora passível de controlo sintomático através de intervenções farmacológicas e não farmacológicas, amplamente estudadas e divulgadas na evidência científica. Contudo, numa vertente prática, qual o real acompanhamento realizado a estas pessoas e famílias?
Estabelecida como a doença do século, facilmente identificamos, sem pensar em demasia, sobre um caso de alguém que vivencie esta doença, mais próximo ou distante.
No momento do diagnóstico e do acompanhamento inicial (na sua maioria, tardio), com que frequência se aborda o médio e o longo prazo, os desafios inerentes a este processo? Afirmando, claro, que como doença neurodegenerativa, a expressão da mesma se poderá prolongar e os desafios são reais, tais como os SPC. Enumeram-se a alteração dos ritmos circadianos (com impacto nas rotinas da pessoa e do seu agregado familiar), os delírios e alucinações, assim como episódios de auto e/ou heteroagressividade e a recusa alimentar.
Que preparação existe para uma vertente empírica, enquanto solução orientada para o problema? Estas situações apenas são, muitas vezes, identificadas aquando da sua ocorrência, não tendo sido mencionadas antecipadamente. Apenas na consulta de acompanhamento é que se aborda estas problemáticas. Consulta, essa, que se operacionaliza, na melhor das hipóteses, a cada seis meses, sendo esta a experiência numa instituição de cuidados pública. Imaginar estes seis meses em que, um dia deste semestre, equivale a uma miscelânea de sentimentos, de questionamentos, de frustração e sensação de impotência. Quem se encontra preparado para esta jornada de perda (a perda do outro e de nós próprios, no imaginário de quem nos é querido e significante)?
Enquanto isto se processa, no seio de tantas famílias, quais as respostas? Que entidades sociais e de saúde se encontram disponíveis para pessoas, na sua generalidade, idosas, com reformas abreviadas, apesar dos anos acumulados de trabalho?
Que planos estruturais e legislativos encontramos a ser aplicados, em tempo útil e ajustado às necessidades, centrados nas pessoas? Os que existem, orientados para esta área que se pretende especializada, não são de todo rápidos, nem automáticos. Prolongam-se no tempo, em dispêndio de recursos (temporais, monetários) e sem respostas integradas.
Considerando esta área como premente e, sabendo que, mesmo quem possui conhecimentos específicos se confronta com desafios diários, quem não detém estas ferramentas, como proceder? Muito necessitará de recair na capacitação e psicoeducação dos familiares e/ou cuidadores, numa fase o mais inicial possível.
Durante este caminho, complexo e desafiante, perdemo-nos no mesmo e a pessoa com demência, identificada como protagonista de cuidados dignos, ela própria não será a mesma. Vislumbra-se uma exaustão acumulada e um sofrimento partilhado, resultantes de processos em nada facilitados pelo ambiente político-social onde a pessoa se encontra inserida – também isso determinante.
E o confronto com esta realidade demonstra-nos a nossa própria vulnerabilidade. Daí ser tão complexo: não estamos preparados para projectar o que poderá ser o nosso futuro.