Com irmãos, é mais fácil enfrentar o medo

Duas crianças conseguem devolver ao sonho o monstro que dele saiu. E juntas afastam o medo.

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Início da viagem ao centro do escuro: “Durante os primeiros minutos, caminhámos em silêncio. Eu estava com tanto medo que não queria ouvir o som da minha própria voz” Madalena Moniz
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“Eu estava a dormir e acordei quando ouvi a voz da minha irmã a chamar-me num sussurro” Madalena Moniz
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“— E porque é que não posso acender a luz? — Ele não ia gostar — respondeu a minha irmã. — Sabes como são os monstros. Talvez destruísse o quarto inteiro. Talvez até nos comesse” Madalena Moniz
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“Pelo sim, pelo não, deixei a luz acesa” Madalena Moniz
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Capa de “Viagem ao Centro do Escuro”, da Editorial Caminho Madalena Moniz

Ser o mano mais velho é uma grande responsabilidade, mesmo só aos sete anos. “A minha principal missão é ajudá-la e ensiná-la e protegê-la e sempre que ela precisa de mim eu vou”, diz o rapaz a pensar na irmã, de apenas cinco anos. Ela teve um sonho mau e ele queria sossegá-la. Mas também ele sabia o que era ter medo, sentia-o como ela, mas não queria dizer-lhe.

Havia monstros naquele sonho, “grandes e pequenos e com garras e dentes sujos. Eram feios e horríveis”, descreve a menina, que não o deixa acender a luz porque diz que o monstro saiu do sonho e agora não consegue voltar para junto dos outros.

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Havia monstros naquele sonho, “grandes e pequenos e com garras e dentes sujos. Eram feios e horríveis” Madalena Moniz

“De repente, eu já não queria estar ali, a falar com a minha irmã com a luz apagada. E eu sei que já tenho sete anos, mas, mesmo assim, às vezes ainda tenho medo. Sobretudo de monstros. Claro que não disse isto à minha irmã. Eu queria que ela acreditasse que eu era corajoso e que podia contar comigo para tudo”, confessa o rapaz.

A verdade é que, juntos, acabarão por conseguir devolver o monstro ao sonho e a tranquilidade ao espírito.

Um texto imaginativo, bem contado, com diálogos verosímeis na voz das crianças. David Machado constrói, aqui e ali, frases longas com bastantes conjunções, mesmo ao jeito da fala dos miúdos.

Início da viagem ao centro do escuro: “Durante os primeiros minutos, caminhámos em silêncio. Eu estava com tanto medo que não queria ouvir o som da minha própria voz. Virámos à esquerda e depois à direita e depois outra vez à esquerda e não fomos de encontro a nenhuma parede, nem tropeçámos em móveis, e eu pensei que se calhar já não estávamos no quarto. Se calhar já nem sequer estávamos na nossa casa. De repente, lembrei-me do monstro. A minha irmã explicou que estava também a agarrar na mão do monstro e que ele caminhava ao seu lado. Seguimos assim, os três, até que a minha irmã gritou: — Cuidado.”

David Machado publicou no ano passado O Meu Cavalo Indomável (Rimas desgovernadas para crianças animadas) e, mais recentemente, Os Reis do Mar (da Trilogia do Furacão, iniciada com Não Te Afastes).

Desenhar o escuro com claridade

Para Madalena Moniz, ilustrar este livro “foi um desafio interessante pelo facto de tudo se passar no escuro”, diz ao PÚBLICO via email. E descreve os seus pensamentos: “Os protagonistas percorrem uma longa ‘viagem ao centro do escuro’, sempre na escuridão total. Daqui surgem algumas dificuldades. Como representar o escuro, sem tornar o livro visualmente pesado, aborrecido ou monótono?

Decidiu então que “queria que as imagens tivessem cor e alguma claridade”. Diz ainda: “Para transmitir o tom onírico, criei cenários com um ambiente florestal, apesar de não estar assim descrito no texto.”

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“— Isto faz parte do sonho, tonto. Tu estás no meu sonho” Madalena Moniz

A ilustradora e autora dos títulos Hoje Sinto-me e João Timoneiro conta que teve logo vontade de trabalhar neste livro assim que leu o texto. “O David deu-me liberdade para interpretar a escuridão à minha maneira!”, recorda.

Madalena Moniz também nos revela a técnica usada: “Utilizei aguarelas e lápis de cor aguarela. Usei manchas sobre manchas, muita tinta e muita água, sobre papel aguarela. Foi um processo maioritariamente manual, mas, depois de ter as imagens digitalizadas, retoquei os tons no computador.” Para concluir: “Foi um trabalho que me deu muito gozo!”

Um bom livro para ler aos irmãos mais novos. Com a luz acesa.

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