Face ao “precário” serviço dos autocarros nocturnos de Lisboa, um universitário propõe mais e melhores linhas

Tomás Batista considera que as carreiras da Rede Madrugada de Lisboa precisam de se cruzar mais entre si e de chegar também à periferia do concelho, de forma a evitar que os transbordos se concentrem todos no Cais do Sodré. Por isso, enquanto forma de praticar a sua cidadania, fez um novo mapa.

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Tomás Batista defende que as carreiras devem cruzar mais entre si durante a noite Daniel rocha

Embora seja da Lousã e viva em Lisboa há menos de um ano, Tomás Batista, de 18 anos, conhece as sete colinas de ginjeira. Pelo menos no que toca às redes de transporte, às linhas, zonas e nomes de paragens, que enumera de norte a sul e de este a oeste com uma facilidade certamente maior que a dos próprios “alfacinhas”. Isto porque, por um lado, sempre teve um olho para os transportes públicos e, por outro, lançou recentemente uma proposta para mais e melhores linhas de autocarro da Rede Madrugada, que suscitou o interesse de um engenheiro da Carris.

A principal lacuna que este estudante universitário de Relações Internacionais aponta é a falta de linhas na horizontal que se entrecruzem e complementem durante a noite. Tal leva a que os transbordos fiquem “todos concentrados no Cais do Sodré” e, por sua vez, que pessoas que queiram ir para o centro a partir de zonas como a Ajuda, o Restelo ou São Sebastião não tenham actualmente “qualquer tipo de oferta”.

A ideia surgiu nas suas saídas nocturnas, ao dar-se conta de que era obrigado a apanhar o autocarro no Cais do Sodré sempre que queria regressar a casa, na zona do Arco do Cego — um acesso “precário” que precisa de ser mudado com “urgência”, diz ao P3. A situação, sublinha, não afecta apenas os jovens, limitando também muitos trabalhadores nocturnos, que a partir da 1h passam a depender somente do autocarro, o único meio de transporte disponível na cidade, com apenas seis carreiras a funcionar até às 5h35. Tomás dá o exemplo de uma senhora da Margem Sul, que o contactou quando partilhou a sua proposta no Twitter, que se vê obrigada a ir de carro para o trabalho por falta de alternativas, por muito que gostasse de ser mais amiga do ambiente e de usufruir dos preços mais baixos dos transportes públicos.

Assim, com base na sua experiência pessoal e em relatos, começou a fazer e refazer as carreiras — apesar de ter “zero formação na área”, lembra —, acabando por acrescentar quatro linhas às seis já existentes. O seu objectivo foi assegurar transbordos entre todas elas, passando a existir dois “anéis”: um interno, que passa pelo centro, e outro mais periférico. Além disso, alguns destes autocarros deveriam passar a ter uma frequência de 30 minutos e não de uma hora.

Outra preocupação que Tomás teve em conta foi garantir o acesso à periferia. “O que eu procurei com as linhas que criei e as que expandi foi que houvesse uma linha a terminar na Reboleira, outra no Bairro Padre Cruz e que passasse na zona da Pontinha, e outra a terminar também em Sacavém, passando pela Portela. São zonas muito povoadas, coladas ao concelho de Lisboa, mas completamente marginalizadas do transporte público face ao resto.” A linha 204, por exemplo, pretende recriar a linha diurna 750, que vai de Algés à Estação do Oriente, passando pela Portela e pelo Aeroporto.

A sua proposta, que foi avançada pela Mensagem de Lisboa, tem provocado uma onda de críticas positivas, com grande parte das pessoas a comentar “que se revia na solução daquele mapa”, diz o estudante. O que mostra que há “um consenso geral de que isto [a Rede Madrugada] precisa de realmente ser melhorado”.

Carlos Gaivoto, engenheiro da Carris e especialista em transportes públicos, também se mostrou interessado na ideia, por ver nela uma boa forma de abrir “o leque de debate a partir de um acto de cidadania”. Numa resposta por escrito enviada ao P3, diz que o mapa de Tomás é “credível” e que a sua proposta poderá vir a ser “analisada no âmbito do Plano de Mobilidade Urbana Sustentável (PMUS) que a Câmara de Lisboa deve construir com a Carris”. Admite ainda que, apesar de a Área Metropolitana de Lisboa ter “uma alternativa ao automóvel”, urge uma “reforma do sector e concretizar um programa de acção diferente do que está a ser aplicado”. Da parte de Tomás há essa abertura: “Estou decididamente com vontade de levar isto para a frente.”

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Tomás tem 18 anos Daniel Rocha

Contribuir para uma cidade melhor

Filho de um coleccionador de ferromodelismo que lhe terá passado o gosto pela mobilidade urbana, Tomás encara esta sua actividade como uma forma de praticar cidadania, mais do que como um mero passatempo. “Quando tenho momentos em que estou mais espaçado a nível de tempo, pego num determinado sistema de transportes ao qual acho que posso dar o meu contributo”, sublinha. Antes de começar o projecto da Rede Madrugada, já o seu portefólio era bastante composto, tendo redesenhado, por exemplo, o mapa do Metro de Lisboa. Foi por isso que quando chegou à capital, em Setembro de 2021, já tinha todas as estações de metro na cabeça.

Desde que vivenciou o encerramento em 2010 do ramal da Lousã, um comboio que ligava Serpins a Coimbra, que este espírito de cidadania lhe passou a estar incutido, pois apercebeu-se do peso que os transportes exercem na vida das pessoas. “Vários amigos meus tiveram que ir embora da Lousã porque já não havia um meio de transporte rápido para chegar a Coimbra”, conta Tomás, que faz parte da última geração que ainda utilizou o comboio e não se cansa de consultar o acervo de vídeos e fotografias que o seu pai captou na derradeira fase do ramal. “Ele fez várias vezes a viagem nas cabines dos maquinistas a fazer o que se chama de trainspotting, que é gravar a passagem dos comboios”, relata.

Como utilizador frequente da Carris, o estudante considera também que o serviço diurno deveria ser alvo de uma reforma, quer ao nível da frequência, quer da qualidade. É justamente o que propõe com o projecto que tem actualmente em mãos e que visa melhorar o acesso ao Pólo Universitário da Ajuda, onde se localiza a sua faculdade, o Instituto Superior de Ciências Sociais e Políticas da Universidade de Lisboa. Além de estarem muito sobrelotados, uma vez que “a frequência durante o pico da manhã não acompanha a procura”, muitas vezes os autocarros, alguns “com cerca de 20 anos, morrem pelo caminho” quando sobem Monsanto.

Com vista a reforçar a sua proposta com mais vozes, Tomás decidiu contactar previamente associações de estudantes para reunir testemunhos e dados antes de a pôr em papel. “As empresas como a Carris ou a própria Câmara Municipal já estão fartas de saber que é preciso melhorar isto e aquilo”, diz, pelo que o seu objectivo agora é tentar ir mais longe apresentando “dados concretos”: Para “depois, assim, juntos, chegarmos à frente”.

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