Ministra dos Assuntos Parlamentares condena caso “único” de Setúbal, mas afasta ideia de “enlamear o país”

Ana Catarina Mendes diz que associação suspeita foi retirada do site do Alto Comissariado para as Migrações na sequência de uma reunião com a embaixadora da Ucrânia.

Foto
Ministra adjunta no Parlamento LUSA/JOSÉ SENA GOULÃO

A ministra Adjunta e dos Assuntos Parlamentares, Ana Catarina Mendes, esforçou-se por traçar um quadro geral positivo de acolhimento de refugiados em Portugal, mas qualificou de “inaceitável” o caso de Setúbal que, “ao dia de hoje”, é “único”. Na audição desta terça-feira à tarde no Parlamento, os partidos quiseram saber se o Governo teve acesso (e quanto) a informação sobre os elementos da associação pró-russa que recebeu refugiados ucranianos em Setúbal, mas saíram desiludidos com as respostas.

“Lamento pela situação que considero inaceitável, seja pela irresponsabilidade ou por excesso de voluntarismo que baixou, ou terá baixado, os níveis de alerta para questões de privacidade que não poderiam acontecer em matéria de acolhimento de refugiados”, afirmou Ana Catarina Mendes no dia em que a Câmara Municipal de Setúbal e a associação em causa (Edinstvo) foram alvo de buscas da PJ.

A ministra, que tem a tutela das migrações, pegou na palavra de um dirigente da associação Centro Social e Cultural Luso-Ucraniano, com sede em Braga, que não identificou outras situações idênticas à de Setúbal, para dizer que o “caso é único”. Depois, instada a esclarecer se é mesmo único, Ana Catarina Mendes, respondeu: “Pode ser que amanhã haja outro. Hoje, ao dia de hoje, o único caso isolado é este”.

A ministra repetiu a informação que tinha sido dada momentos antes pela Alta Comissária para as Migrações, Sónia Pereira, sobre a alteração de procedimentos que aconteceu após uma reunião entre a tutela e a embaixadora da Ucrânia, Inna Ohnivets. Foram retiradas do site as listas de associações que o Alto Comissariado para as Migrações (ACM) tinha disponíveis e foi colocado um link directo para a Embaixada da Ucrânia. Essa reunião aconteceu a 25 de Março, confirmou a ministra, ainda antes do acolhimento em Setúbal ter sido noticiado pelo Expresso.

Sónia Pereira admitiu que soube do caso de Setúbal “pela imprensa”, mas reconheceu que o ACM recebeu denúncias desde 2011 sobre o facto de haver “algumas associações que foram identificadas como pro-Putin ou como pró-regime russo”, embora sem referir especificamente a Edinstvo. Essa mesma informação já tinha sido dada pelo presidente da Associação dos Ucranianos em Portugal, também numa audição no Parlamento.

Pavlo Sadoka disse mais: “Percebemos que ia ser difícil dentro do Alto Comissariado alterar esta situação e fizemos então a denúncia aos serviços de informação da República Portuguesa”.

Comissão de inquérito

A questão da actuação das secretas e se o primeiro-ministro foi ou não informado mereceu algumas perguntas por parte dos deputados e, antes mesmo das audições, já era o alvo de uma proposta para a criação de uma comissão de inquérito lançada pelo Chega. Uma provocação ao PSD já que um dos candidatos à liderança, Luís Montenegro, tinha defendido isso mesmo. Rui Rio decidiu não alinhar nessa solução, mas desafiou o primeiro-ministro a vir dar explicações em público — “no Parlamento, em São Bento, onde entender” — sobre se sabia que as secretas estavam a acompanhar a associação em causa e “ou nada fez” ou “não valorizou as informações”.

O líder do PSD considerou uma “vergonha” para o país que “ucranianos que estão a fugir da Rússia cheguem a Portugal e sejam interrogados por pessoas ligadas ao regime [russo]”. Na audição parlamentar, o bloquista Pedro Filipe Soares considerou que o caso está a “enlamear Portugal”, o que foi rejeitado pela ministra.

Das perguntas colocadas pelos deputados sobre as secretas, o único esclarecimento (e dado pela secretária de Estado recém-empossada Isabel Rodrigues) foi o de que não há nenhum representante seu na task-force criada para o acolhimento de refugiados ucranianos num fluxo que foi superior “sete vezes” ao dos últimos seis anos.

Desafiada pelo Chega e pelo BE a atestar se a associação Edinstvo recebeu verbas do Estado como noticiou o PÚBLICO, Ana Catarina Mendes concedeu: “Os dados hoje confirmados por um órgão de comunicação social são que esta associação recebeu do ACM, em 2017 e 2019, verbas para a sua actividade”. A governante, tal como já o tinha feito Sónia Pereira, referiu que a Câmara de Setúbal e a associação em questão “não têm nenhum protocolo assinado” para tratar do acolhimento de refugiados.

Em resposta à deputada do PCP Alma Rivera — que só na última ronda se referiu ao caso concreto de Setúbal e à Associação de Ucranianos em Portugal — Ana Catarina Mendes admitiu que haverá mais autarquias sem protocolo com o ACM e referiu que “na última semana” houve mais uma “tentativa de reunião com a câmara” para que esse protocolo fosse celebrado mas que o município comunista “não quis”.

Sugerir correcção
Ler 8 comentários