Ministério Público investiga crimes de utilização de dados no caso do acolhimento a refugiados em Setúbal
A informação chegou através da Câmara Municipal de Setúbal. A Polícia Judiciária confirmou e disse que estão em investigação eventuais “crimes de utilização de dados de forma incompatível com a finalidade da recolha, acesso indevido e desvio de dados, previstos na Lei de Protecção de Dados Pessoais”.
As instalações da Linha Municipal de Apoio a Refugiados (LIMAR) da Câmara Municipal de Setúbal foram alvo de buscas da Polícia Judiciária, nesta terça-feira, segundo uma nota publicada no site da autarquia logo de manhã. Também a Associação dos Imigrantes de Leste (Edinstvo), suspeita de acolher ucranianos fugidos da guerra enquanto mantém uma ligação próximo com o Kremlin, foi alvo das buscas da PJ, como confirmou o seu Departamento de Investigação Criminal de Setúbal.
No âmbito desta acção, “investigam-se a prática de crimes de utilização de dados de forma incompatível com a finalidade da recolha, acesso indevido e desvio de dados, previstos na Lei de Protecção de Dados Pessoais”, refere a PJ. O mesmo é explicado na nota publicada no site do Ministério Público da comarca de Setúbal.
As diligências realizaram-se no âmbito de um inquérito “em segredo de justiça”, dirigido pelo Departamento de Investigação e Acção Penal (DIAP) da comarca de Setúbal, e que foi aberto em 2 de Maio, segundo o MP.
A PJ “levou a efeito uma operação policial envolvendo a realização de buscas nas instalações da Linha Municipal de Apoio a Refugiados da Câmara Municipal de Setúbal, na Câmara Municipal de Setúbal e nas instalações da Associação dos Imigrantes de Leste (Edinstvo)”, lê-se no comunicado emitido pela PJ quando já estavam terminadas as operações.
"Foi apreendida para análise diversa documentação e foram efectuadas pesquisas informáticas sobre dados relacionados com os crimes em investigação.” Até ao momento, não há indicação da eventual constituição de arguidos.
Estas buscas foram realizadas após as suspeitas de alegadas ligações ao Kremlin do casal que fundou a Associação dos Imigrantes dos Países de Leste (Edinstvo) e geria, através desta associação, o gabinete de apoio aos refugiados da autarquia: Igor Khashin e Yulia Khashina.
Igor Khashin, que se apresentava como “gestor de projectos”, foi presidente da Casa da Rússia e do Conselho de Coordenação dos Compatriotas Russos, segundo o jornal Expresso na primeira notícia publicada sobre o caso a 29 de Abril. O representante associativo tem dupla nacionalidade e foi sempre próximo da Embaixada da Rússia.
Funcionária retirada
O jornal deu então conta das primeiras suspeitas relativamente a este casal e ao trabalho desenvolvido através da Edinstvo. Nesse mesmo dia, a Câmara de Setúbal anunciou que retirava Yulia Khashin das funções de acolhimento de cidadãos ucranianos.
Tal decisão vigoraria “até ao total e inequívoco esclarecimento desta situação”, referia.
No dia seguinte, a autarquia acrescentava não ter tido nenhuma suspeita relativamente a esta jurista, de nacionalidade russa, que entrara para os quadros da câmara em Dezembro de 2021 depois de aí ter trabalhado mais de 17 anos.
"Relativamente à senhora Yulia Kashina, referida nas várias notícias entretanto divulgadas, cumpre esclarecer que lhe foi atribuída, pelos órgãos de soberania nacionais, nacionalidade portuguesa em 2007, ou seja, há 15 anos, tendo, por isso, dupla nacionalidade, e, desta forma, todos os direitos e deveres de qualquer cidadão português”, referia a nota publicada no site da autarquia, acrescentando que “Yulia Kashina trabalha com esta Câmara Municipal há mais de 17 anos, tendo entrado para os seus quadros como técnica superior jurista, em 1 de Dezembro de 2021”.
A Edinstvo foi fundada em 2005 por Igor Khashin. Já antes da guerra na Ucrânia, a associação trabalhava no acolhimento a imigrantes na autarquia. Mas foi com a chegada de ucranianos que fugiam da guerra iniciada em 24 de Fevereiro, que surgiram as primeiras dúvidas.
Receios de refugiados acolhidos
Entre as cerca de 160 pessoas acolhidas em Setúbal, houve quem tivesse relatado ao Expresso que, no atendimento, teriam sido digitalizados documentos dos refugiados e, de acordo com alguns deles, feitas perguntas sobre os familiares que deixaram na Ucrânia.
No início de Abril, numa entrevista à CNN, a embaixadora da Ucrânia, Inna Ohnivets, alertou para o facto de informações recolhidas junto dos ucranianos serem “interessantes para a espionagem russa”. A diplomata sustentava essa afirmação pelo facto de as associações pró-russas que acolhem refugiados dos países de Leste terem “uma ligação muito estreita à embaixada russa”.
Nas entrevistas à chegada, as associações teriam assim forma de “receber informações sobre os dados pessoais destes refugiados e também sobre os familiares que participam no Exército ucraniano”, sustentou a embaixadora que terá também alertado as autoridades portuguesas para esse risco.
Também o presidente da Associação dos Ucranianos de Portugal, Pavlo Sadokha, tem desde então acusado associações concretas (para além da Edinstvo) de uma alegada cumplicidade com o poder em Moscovo.
Notícia actualizada às 15h35 com comunicados da PJ e do MP da comarca de Setúbal