O campeão da continuidade
FC Porto chega ao seu terceiro título em cinco anos, sempre em épocas alternadas, mas todos com Sérgio Conceição. É o testemunho maior de como um clube habituado a ganhar também sabe lidar com o fracasso.
As equipas grandes não costumam conviver bem com o fracasso. Um período sem conquistas transforma certezas em dúvidas, soluções em problemas, indispensáveis em descartáveis. A tentação de começar de novo é sempre maior. O FC Porto podia ter cedido a esse impulso nos últimos cinco anos, mas já se sabe que Jorge Nuno Pinto da Costa, presidente a cumprir quatro décadas no cargo, é um homem de convicções e de palavra. E quando disse, em Junho de 2020, após a eleição para o 15.º mandato consecutivo à frente do clube, que Sérgio Conceição seria o seu treinador enquanto fosse presidente, não haveria razão para duvidarmos. A aposta prolongada no “rapaz” de Ribeira de Frades foi absolutamente certeira, como ficou mais uma vez provado com mais este título conquistado, o 30.º da história do FC Porto, o terceiro em cinco anos.
A conquista destes três títulos em épocas alternadas é o sinal maior de que o FC Porto é uma equipa habituada a ganhar que também sabe lidar com o próprio fracasso. Ao campeonato de 2018, seguiu-se uma época sem o ganhar. Depois do título de 2020, aconteceu o mesmo na temporada que se seguiu. Mas este de 2022, que pode também ser um ano de “dobradinha” (o FC Porto está na final da Taça de Portugal), prova que este é um ciclo vencedor que foi tendo alguns ajustes pelo caminho. O FC Porto soube sempre adaptar-se às circunstâncias e teve paciência para esperar pelos resultados. Como aconteceu a meio da época, durante a janela invernal do mercado de transferências. O que seria uma fraqueza acabou por ser uma força.
Se tivesse levado até ao fim o registo de invencibilidade, o FC Porto teria sido o quarto campeão português sem qualquer derrota, depois do Benfica de 1972-73 e do FC Porto de 2010-11 e 2012-13. Continua, no entanto, bem encaminhado para ser o campeão com mais pontos de sempre: contabiliza 88 e, se pontuar na última jornada, ultrapassa o recorde que agora partilha com o Benfica de Rui Vitória, em 2015-16, e que o próprio FC Porto de Conceição alcançou, em 2017-18.
Não foi o FC Porto a primeira equipa a marcar o ritmo esta época. Ainda com Jorge Jesus, o Benfica ganhou os sete primeiros jogos e liderou até à nona ronda. Mas, na jornada seguinte, a equipa de Sérgio Conceição já estava na frente, com a companhia do Sporting. O taco a taco com os “leões” durou até à 16.ª jornada, mas, à passagem da primeira volta, os “dragões” já eram os únicos donos do primeiro lugar, estatuto que nunca largaram, deixando muito poucos pontos em cima da mesa, ao contrário do rival, que nunca se conseguiu aproximar, nem nos confrontos directos.
Nesta campanha quase perfeita, o FC Porto só averbou uma derrota (Sp. Braga) e quatro empates (Marítimo, Gil Vicente e dois com o Sporting), e mesmo estes empates são um testemunho da resistência portista ao longo da época — em três destes empates, esteve a perder. Igual testemunho do espírito do “dragão” são as seis vitórias com reviravolta (cinco na primeira volta), ou os dois triunfos com golos nos últimos minutos. Seja por goleada (um 7-0, um 5-0 ou dois 4-0) ou pela margem mínima (nove vitórias), o FC Porto encontrou quase sempre o caminho.
Não houve nenhuma revolução acidental ou mudança de paradigma evidente neste 30.º título do FC Porto. O presidente é o mesmo há 40 anos — e Pinto da Costa sabe o que é ganhar, já com 64 títulos no futebol, 23 deles de campeão nacional. O treinador é o mesmo dos últimos cinco anos — Conceição já é o segundo treinador com mais jogos no banco do FC Porto, 269, apenas atrás dos 322 de José Maria Pedroto. E não houve nenhuma revolução gigante no plantel — houve várias caras novas, mas o reforço com mais minutos no campeonato, o brasileiro Pepê, foi apenas o 13.º mais utilizado pelo técnico português.
Evolução sim, revolução não
Se não mudou assim tanto, como se explica que este FC Porto se tenha transformado de uma época para a outra numa máquina devoradora de pontos? A verdade é que, estruturalmente, a equipa mudou, ou melhor, mostrou uma maleabilidade que lhe permitiu adaptar-se a qualquer circunstância. Conceição atingiu a maturidade como treinador, mostrando esta época, mais do que em qualquer outra (mesmo as restantes em que foi campeão), que não era refém de um princípio táctico ou de uma estratégia única.
Nos jogos com o Sporting, por exemplo, começou por ser mais bloqueador e reactivo, para depois ser proactivo e dominador, que não é o seu plano de ataque na maioria dos jogos. E este FC Porto é mais colectivo e associativo, e menos previsível do que o FC Porto campeão de 2018, mais dependente dos ataques à profundidade com Marega e Aboubakar (mais corredores e finalizadores e menos criadores) ou da capacidade de drible em progressão de jogadores como Brahimi e Corona.
A manutenção de Otávio, mais o crescimento em campo de Vitinha e Fábio Vieira (a maturação da geração Youth League foi um dos factores decisivos para esta campanha, também com a promoção de Diogo Costa e João Mário), e a generosidade dos seus avançados (Taremi e Evanilson têm muitos golos, mas, também, muitas assistências), ajudam a explicar as várias dimensões deste FC Porto campeão. E o mesmo pode dizer-se da existência de dois centrais fisicamente poderosos, mais um “trinco” destruidor e construtor ao mesmo tempo, mais jogo interior e menos lateralizado — e disso resulta uma intensidade permanente na reacção à perda da bola, um princípio comum a todas as equipas da era Conceição.
A capacidade de adaptação deste FC Porto às circunstâncias também é evidente na forma como reagiu a perdas importantes ao longo da época. A saída de Luis Díaz, o melhor jogador do campeonato, para o Liverpool tinha tudo para ser um ponto de viragem negativo na época portista e Sérgio Conceição até admitiu isso mesmo, com recados bastante explícitos para os gestores do futebol portista. “Nas grandes empresas, nos grandes clubes, o planeamento é feito em função dos objectivos. Quando existe pouco planeamento, ou não o há, temos de rever esses objectivos”, dizia o treinador, no final de Janeiro.
A verdade é que o FC Porto não abrandou com a perda do craque colombiano (ou de Corona e Sérgio Oliveira), nem com a lesão de Pepe durante várias jornadas, ou com a ausência de Uribe na recta final do campeonato — e não mergulhou num mar de dúvidas com o fracasso relativo do seu percurso na Liga dos Campeões, integrado num grupo difícil e merecedor de outra sorte.
Adaptando uma frase de um antigo jogador e treinador do FC Porto, aplicada a outro clube, por cada “dragão” que caía, outro se levantava. Nenhuma frase descreverá melhor este FC Porto dos últimos cinco anos e de 2021-22: sempre que caiu, levantou-se.