Exposição

Num braço de areia em Aveiro jaz São Jacinto, “a ilha da morte lenta”

O projecto fotográfico faz o retrato da freguesia aveirense de São Jacinto, "rica em ruínas de um passado de ouro". No século XX, existiam na região os estaleiros navais e a indústria da seca do bacalhau; hoje, é "um deserto de dia, cada vez mais despovoada", conta João Pedro Cardoso, autor da série que se encontra em exposição no espaço Narrativa, em Lisboa.

©João Pedro Cardoso
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São 13 as vezes que o ferry boat chega a São Jacinto, todos os dias, vindo da Gafanha da Nazaré, e 13 as vezes que faz o caminho de volta. "Há gente que vai e vem, mas sem nunca deixar muito e levando não mais que o peixe que apanha", relata o fotógrafo João Pedro Cardoso, natural da vizinha Gafanha da Encarnação, que visitou São Jacinto com regularidade entre Outubro de 2021 e Março do presente ano. Plantada entre a Ria de Aveiro e o Oceano Atlântico, São Jacinto foi outrora conhecida pelo seu estaleiro naval, pela seca do bacalhau; hoje, nenhuma dessas estruturas ou indústrias mantém actividade na pequena península. Restam a pesca, as praias e uma rotina serena, pacata, sobretudo nos meses de Inverno. "A terra da Nossa Senhora das Areias ficou estagnada, e as suas pessoas são as mesmas desde sempre", relata, em entrevista ao P3. 

Ao longo dos meses, João Pedro Cardoso observou um lugar que é "rico em ruínas de um passado de ouro", mas que é "um deserto de dia, cada vez mais despovoado". "Forte de construção naval, casa de uma histórica base aérea, não passa hoje de um repositório", pode ler-se na folha de sala da exposição que se encontra patente no espaço Narrativa, próximo da Avenida de Roma, em Lisboa, até dia 4 de Junho. 

São Jacinto já foi um forte ponto de interesse produtivo, mas o tempo encarregou-se de alterar essa realidade. O grande momento de transformação de São Jacinto, refere João, ocorreu com o encerramento dos estaleiros navais, no início da década de 2000, onde chegaram a trabalhar entre 500 a 600 pessoas. "As pessoas que vivem lá há mais tempo, com quem conversei amiúde, falavam muito desse contraste entre o antes e o depois do encerramento dos estaleiros. Dantes, muitos trabalhadores enchiam a vila, chegando e partindo na lancha dos estaleiros. Hoje, quase não há trabalho." O nome do projecto, A Ilha da Morte Lenta, não é uma criação de João Pedro. "É um nome antigo, ainda do tempo da base aérea número 5, que ainda hoje é usado por quem conhece", disse ao P3

São Jacinto não chega a ser um local de passagem fortuito, devido à sua geografia e acessibilidade. Quem lá vai é porque deseja fazê-lo. "As visitas são breves, as pessoas chegam de manhã e abandonam ao final do dia. Existem poucos bares e restaurantes, poucas lojas, ainda muito tradicionais, uma reserva natural, um parque de campismo", descreve o fotógrafo de 30 anos. "Vivem lá menos de mil pessoas, mas a pesca continua a ser a principal atracção. Muitos pescadores vêm de longe, sobretudo do norte do país, e passam lá o dia." Das localidades vizinhas, "há muito quem vá até lá para pescar sargo, ou apanhar berbigão ou 'navalhas'", relata. O turismo massificado, para o bem e para o mal, mantém-se afastado da península. "Convivi com alguns proprietários de alojamento local que se queixavam do pouco investimento municipal na promoção turística daquela zona. Essa ausência não é benéfica para quem é de lá."

As memórias de São Jacinto remontam à infância de João: como o avô fez formação em carpintaria na base de aviação naval, a zona sempre o atraiu e começou a visitá-la mais tarde. "No Verão, lembro que havia movimento, mas São Jacinto ficava adormecida no Inverno. Desde então, sempre tive curiosidade sobre o lugar." A oportunidade para explorá-lo surgiu aquando da inscrição no workshop de fotografia organizado por fotojornalista Mário Cruz, ao abrigo do projecto A Narrativa. "A formação ensinou-me a enquadrar melhor, a pensar melhor, a definir uma intenção antes de clicar no disparador", salienta o engenheiro de materiais de 30 anos. "Como nunca tinha visto um trabalho sobre São Jacinto que traduzisse aquilo que eu conhecia do local, decidi debruçar-me sobre isso."

Assim, João marcou presença em São Jacinto quase diariamente, entre Outubro e Dezembro de 2021. "Graças a esse ritmo lento de observação, vi o nascer e o pôr do Sol em São Jacinto, vi o nevoeiro a abater-se sobre a península quando tudo o resto estava a descoberto." Uma abordagem nova para si, refere, que lhe permitiu observar a fundo a freguesia e tentar captar a sua essência. "Com o projecto, quis revelar a quietude, a falta de gente e algumas presenças que considerei distintas. E os artefactos, as estruturas que hoje são apenas vestígios de um passado que já foi muito diferente."

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Militar do Regimento de Infantaria nº 10, antiga Base Aérea nº 5, antiga Escola de Aviação Naval Almirante Gago Coutinho
Militar do Regimento de Infantaria nº 10, antiga Base Aérea nº 5, antiga Escola de Aviação Naval Almirante Gago Coutinho ©João Pedro Cardoso
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Sr. António Costeira, antigo chefe de máquinas. Artesão de embarcações à escala, continua a produzir de raiz réplicas idênticas em madeira
Sr. António Costeira, antigo chefe de máquinas. Artesão de embarcações à escala, continua a produzir de raiz réplicas idênticas em madeira ©João Pedro Cardoso
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Sala sobre a ria, Estaleiros de São Jacinto
Sala sobre a ria, Estaleiros de São Jacinto ©João Pedro Cardoso
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