Exposição
O que resta da herança judaica sefardita no nordeste transmontano?
Ao abrigo dos Encontros no Planalto, evento dedicado à herança e cultura judaica sefardita do nordeste transmontano, a exposição Vestígios – Judaísmo Sefardita em Carção e Argozelo procura revelar o que resta, visível no território, do passado judaico na região de Vimioso, em Trás-os-Montes. “No mesmo banco de jardim, os mesmos idosos riem: um é [descendente de judeus], o outro não. Foi preciso chegar ao século XXI para que isto fosse possível.”
O fotógrafo António M. Teixeira pede ao leitor que "se dispa de conceitos prévios" e se coloque a seguinte pergunta: "Quão diferentes podiam ser as gentes, as casas e as paisagens se os judeus sefarditas não tivessem sido perseguidos, expulsos, mortos ou convertidos à força [ao cristianismo]?" Que Portugal seria o do século XXI se os judeus que sobreviveram e permaneceram em território ibérico tivessem sido livres de praticar as suas crenças?
O registo fotográfico do projecto Vestígios – Judaísmo Sefardita em Carção e Argozelo, um desafio colocado pela organização dos Encontros do Planalto – evento dedicado à herança e cultura sefardita no nordeste transmontano, a decorrer nos dias 29 e 30 de Abril e 1 de Maio, em Vimioso – foi, nas palavras de António M. Teixeira, "difícil, mas estimulante". Porquê? "O que sobra dos vestígios é quase nada", lamenta. "Os vestígios materiais diluíram-se. Os que hoje se assumem como descendentes de judeus, de marranos, de cristãos novos, quando questionados afirmam que nada existe dentro das casas que seja de herança judaica. Não há memórias familiares associadas, rituais, não há dizeres nem objectos que remetam para essa época." O que ainda existe está reunido no Museu Marrano de Carção, refere. "Mas e agora?", pensou, "como se fotografa o que já não existe?"
António não baixou os braços. "Caminhei por Argozelo e Carção, percorri as ruas, conversei com as pessoas e fotografei", contou ao P3. Concluiu que, na região do nordeste transmontano, os "vestígios não se vêem, sentem-se". Estão presentes no interior das pessoas. "O judeu é aquele", via apontar. "Eu, sim", outro anuía. "O meu pai era", alguém dizia. O fotógrafo garante que essa divisão ainda existe entre os habitantes das aldeias. "Ou melhor, existe a ruína, os fósseis dessa divisão social. Mas sem estigma. Durante séculos, alguém assumir-se como judeu devia ser até perigoso. Hoje, há boa convivência. No mesmo banco, os mesmos idosos riem: um é, o outro não. Foi preciso chegar ao século XXI para que isto fosse possível."
O que existe hoje, no território, que remeta para o judaísmo, para além dos três dias que lhe serão dedicados pelos Encontros no Planalto — que inclui no seu programa mercados e piqueniques kosher, performances, concertos, exibições de filmes e conversas dedicados à cultura judaica? "De facto, hoje, no século XXI, já não restam as casas que [os judeus] construíram", pode ler-se na folha de sala da exposição que se encontra dividida em três partes e distribuída por Vimioso, Argozelo e Carção. "Desmanteladas as suas pedras, construíram-se outras casas e algumas ainda guardam uma ou outra inscrição a cinzel. Também não temos os caminhos que trilharam, poderiam ser os que ainda usamos ou outros que se perderam."
António decidiu fotografar o que existe, de facto, o que se plantava diante do seu olhar. "Ao fotografar o presente, estou a fotografar aquilo que resultou de todo esse percurso histórico", refere o fotógrafo e geógrafo residente no Porto. "Se o passado tivesse sido diferente, diferentes seriam os vestígios no presente." Este projecto, salienta, resulta "de um exercício despojado do rigor documental que uma abordagem mais científica exigiria". As 50 imagens que antigo professor de Fotografia captou são uma "(re)interpretação de uma pauta que se perdeu no tempo".