Racismo take 59

Os atos racistas continuam a ser uma violação (dir-se-ia até qualificada) dos deveres de formação e vigilância que impendem sobre os clubes.

1. Há factos e temas de que já não apetece falar, mas alguém tem de o fazer, sem lágrimas de crocodilo. Lembramo-nos de um texto publicado neste jornal, já lá vão uns anos, em que assumi um título próximo do de hoje para a violência. O mesmo poderíamos fazer para as ofensas, físicas e de outra natureza, aos agentes de arbitragem. No fundo, são cenas de um filme que não tem fim à vista.

Para além de um certo logro das campanhas de prevenção – tarjas, slogans, etc. – e das declarações inflamadas – quando existem – de membros do Governo e similares, a verdade e a certeza é a de que, daqui a um tempo indefinido, cá estarão todos a percorrer os mesmos caminhos ineficazes e a omitir as medidas que sempre julgam necessárias e urgentes.

2. A nossa formação – deformação - apela à norma jurídica. E a elaboração desta, como exercício de um poder, pode ser boa ou má, de um ponto de vista técnico, e adequada ou não, de um ponto de vista decisório anterior à sua formulação.

Hoje visitamos o paradigma da norma disciplinar – presente em muitas federações - sobre comportamento discriminatório que implique a responsabilidade dos clubes.

3. Diga-se, desde já, para que não restem dúvidas na construção ou reformulação desse tipo de normas, que se encontra bem assente, na jurisprudência do Supremo Tribunal Administrativo, percorrendo caminhos que são de desenvolvimento de anterior posição do Tribunal Constitucional, que existe uma responsabilidade dos clubes pelo comportamento dos seus adeptos, baseada na culpa. Os clubes – também eles – devem formar e vigiar os comportamentos dos seus apoiantes e se negligenciarem o cumprimento desses deveres – assentes, desde logo, na lei fundamental (artigo 79.º) – são por isso responsabilizados pelos atos praticados por eles (adeptos).

4. A questão fundamental é que existe uma diferença enorme no tipo de infração quando esses comportamentos dos adeptos se expressam em atos racistas.

A norma disciplinar – presente em diversas federações desportivas e liga – é basicamente esta: “O Clube que promova, consinta ou tolere qualquer tipo de conduta, escrita ou oral, que ofenda a dignidade de agente desportivo ou espectador em função da sua ascendência, sexo, raça, nacionalidade, etnia, língua, território de origem, religião, convicções políticas ou ideológicas, instrução, situação económica, condição social ou orientação sexual, é sancionado…”

Ora esta norma, estabelecendo o tipo de infração é diametralmente diversa das relativas a outros tipos de comportamentos (por exemplo, atos de violência). Nesta, como se vê, para que haja infração imputável ao clube torna-se necessário uma de três situações: que ele promova, consinta ou tolere tal comportamento.

Ou seja, não vale aqui a imputação, por violação de deveres próprios, ao clube por determinado comportamento dos adeptos como sucede nos outros casos. Aqui exige-se algo mais, muito mais: exige-se que o clube, por exemplo, não consinta ou tolere. Ou seja, dito de outra forma, torna-se necessário provar que os representantes dos clubes presenciaram ou ouviram cânticos ou expressões racistas e nada fizeram. Não é fácil alcançar decisiva prova neste domínio.

5. Mas a verdade é que a expressão racista em nada difere dos outros casos: continua a ser uma violação (dir-se-ia até qualificada) dos deveres de formação e vigilância que impendem sobre os clubes.

Por que razão, então, confessável ou nem tanto, não se alteram estas normas em conformidade com as outras?

Sempre seria algo de positivo para a responsabilização e combate ao racismo. Uma simples alteração regulamentar possibilitaria alcançar resultados muito mais palpáveis no âmbito disciplinar.

O autor escrever segundo o novo acordo ortográfico

Sugerir correcção
Comentar