Neste coro para quem respirar é um sacrifício, a música é quase um balão de oxigénio
Para pertencer ao RespirAR a Música o único requisito é sofrer de doença respiratória crónica. Cantar ajuda a melhorar a eficiência respiratória e a expandir a caixa torácica, promovendo, ao mesmo tempo, o bem-estar.
Nazaré Branco faz parte dos mais 800 mil portugueses que, de acordo com a Sociedade Portuguesa de Pneumologia (SPP), sofrem de doença pulmonar obstrutiva crónica. Aos 63 anos, encontrou uma nova forma de reabilitação respiratória: cantar. No coro RespirAR a Música são 18 rouxinóis, que, em comum, têm as patologias do foro respiratório. É que cantar é uma das melhores técnicas para promover o bem-estar daqueles para quem só respirar é um sacrifício.
Já há algum tempo que a Fundação Britânica do Pulmão destaca o canto como uma das técnicas mais eficazes de reabilitação respiratória, mas por cá é menos usada — sobretudo porque, reconhece a SPP, esta reabilitação chega apenas a uma curta franja dos doentes. Foi precisamente por sentir isso que Nazaré Branco começou a frequentar o agora extinto Air Care Center, onde, em 2019, foi fundado o coro RespirAR a Música, um projecto que vale a pena recordar no Dia Mundial da Voz, celebrado este sábado, 16 de Abril.
“É uma forma de mostrar que nós, as pessoas com limitações respiratórias, também podemos fazer todas as coisas”, defende a reformada. Mas mais do que isso, a terapeuta da fala Sónia Silva enumera os benefícios do canto na hora de reeducar a respiração: “Ajuda a melhorar a eficiência respiratória, a expandir a caixa torácica, auxilia na postura.” Tudo isto é crucial para quem sofre de doença pulmonar obstrutiva crónica, uma vez que esta patologia “destrói as vias respiratórias”, não permitindo que os pulmões mobilizem o ar, como já explicou ao PÚBLICO, a médica de família Nádia Sepúlveda.
Cantar tem sido, para Nazaré Branco, uma das ajudas mais eficazes para reensinar os seus pulmões a respirar, depois de ter “várias recaídas nos últimos anos” e ficar dependente de oxigénio. A antiga bancária recorda como sempre teve “o bichinho da música”, herdado do pai, que era maestro. “Hesitei em juntar-me porque não tinha voz, não conseguia cantar com a falta de ar. Mas percebi que estávamos quase todos em pé de igualdade”, recorda.
Com a ajuda do maestro Dale Chappell, a música começou a dar um novo ar à vida destes 18 doentes respiratórios, quase todos com mais de 60 anos. “Ensina-nos exercícios respiratórios que usam músculos que nem sabíamos existirem”, diz, com humor, Nazaré Branco. É precisamente essa a vantagem que o director musical destaca: “Aqui o objectivo é criar resistência para o ar não esvaziar tão rapidamente, ajudá-lo a passar com menos velocidade.”
E como é que isso se faz? Com os exercícios de respiração a que se dedicam durante os primeiros 30 minutos do ensaio semanal. “O canto é diferente do falar, é som prolongado, onde é preciso ter mais controlo da saída do ar”, observa o maestro norte-americano, que faz também direcção vocal de espectáculos para Filipe La Féria. “As pessoas começaram a descobrir que ainda conseguem cantar”, relata, com orgulho.
Além dos exercícios, há muito tempo para cantar músicas que agradem ao grupo, “mas que não sejam complexas demais”. Beatles, Carlos Paião, Carlos do Carmo, Mariza e Paulo de Carvalho são algumas das escolhas reinterpretadas pelo coro. “Para não ficarmos apenas nos treinos, também temos desenvolvidos vídeos, onde cada um grava em casa e depois fazemos a montagem”, conta Dale Chappell. No Natal de 2020 fizeram uma colaboração com a fadista Cuca Roseta.
“Somos praticamente uma família”
A terapeuta da fala Sónia Silva destaca que qualquer actividade que proporcione prazer, “aumenta a tolerância ao esforço” e é garantia de “uma resposta melhor da adesão à terapia”. Apesar de os coralistas estarem a treinar a capacidade respiratória, quase como numa sessão de fisioterapia, Nazaré Branco relata que não é esse o sentimento durante os encontros. O coro é, sim, “uma forma de desanuviar”, de se esquecerem, durante duas horas, de algo que lhes limita tanto a vida.
Com a pandemia de covid-19, os encontros semanais do RespirAr da Música passaram para o digital e, desde então, não regressaram aos ensaios presenciais, dada a fragilidade da saúde dos coralistas. “Para vários, este foi durante muito tempo o único contacto exterior à casa. Éramos quase um grupo de apoio”, lembra o maestro Dale Chappell. Era o caso de Nazaré Branco, com o marido longe. “Às vezes não me apetece ir ao ensaio, mas anima-me sempre. Ajuda a não entrar tanto em depressão, a estarmos mais calmos e descontraídos”, confirma.
“Metade do tempo” dos ensaios, confidencia a reformada, é passado a conversar. “Contamos as nossas pequenas conquistas. É como dizemos, somos praticamente uma família”, declara. Com esta partilha, Nazaré Branco diz querer divulgar o trabalho do coro, cuja participação é gratuita, ao maior número de doentes pulmonares. “Há dias em que só tomar banho nos causa cansaço. Mas vamos fazendo o melhor possível para ter alguma qualidade de vida”, lembra. E ao som da música o caminho para a recuperação vai sendo aligeirado.
Quem sofrer de doença respiratória crónica e se quiser juntar ao coro RespirAR a Música, basta enviar um e-mail para coro.respirar.musica@gmail.com. Posteriormente, será contactado pela coordenadora do projecto, a fisioterapeuta Catarina Agapito, que fará uma breve contextualização, além de esclarecer eventuais questões e ajudar na integração nos ensaios. Não são necessários quaisquer pré-requisitos, nem qualquer experiência musical. “Basta querer ser ajudado e experimentar”, incentiva Dale Chappell.