Que bandeiras para o desporto moderno?

1. A começar pelo olimpismo, e pelo Comité Olímpico Internacional, o desporto tem vindo, ao longo dos tempos modernos, a alterar significativamente as suas bandeiras, os seus propósitos e missões. Da negação do acesso à prática desportiva pelas mulheres alcançou-se um espaço para essa participação, aqui e acolá ainda bem marcado pela ideia de “desportos masculinos” e “desportos femininos”. A bandeira do desporto amador cedeu ao profissionalismo, ao negócio e aos milhões em patrocínios das competições. Na sua procura constante por marcar diferenças, seguiu-se a adopção da protecção do ambiente. Os direitos humanos surgem em textos fundamentais das organizações desportivas internacionais, porventura mais formal que materialmente.

Todavia, percepciona-se, na afirmação dos direitos dos praticantes, ou seja, de pessoas, dotadas da sua dignidade e não podendo ser sujeitas a discriminações, um caminho quase sempre custoso, esforçado e moroso. É a via da conquista perante uma sociedade desportiva cristalizada e conservadora. Cada passo em frente, e o mesmo se pode afirmar quanto aos direitos dos praticantes desportivos portadores de alguma deficiência, é fruto de uma batalha. Nada é oferecido.

2. Estas palavras poderiam ser acolhidas quanto aos atletas transgéneros, mas porventura fazem ainda mais sentido quanto à comunidade LGBTQI+.

Seja-nos permitido, pois, jogar mão de exemplos que este jornal trouxe a público mais alargado mediante reportagens - 17 de Setembro de 2021 e 4 de Abril deste ano -, oferecendo uma imagem inclusiva do desporto.

Sem ordem de preferência, referimos primeiro os Douro Bats, uma equipa inclusiva de futsal que se treina todos os domingos no Porto. Qualquer pessoa pode fazer parte, independentemente do género, orientação sexual ou condição física. “Uma pessoa aqui acaba por jogar futebol e sentir-se bem: é um ‘dois-em-um’”, salientou um dos praticantes. Pertencer à equipa inclusiva de futsal, onde “não há qualquer tipo de exclusão”, fê-lo aprender a ter “tolerância”. “Não era fácil uma pessoa homossexual ter acesso ao futebol.”

Temos ainda a Boys Just Wanna Have Fun Sports Club, que apresenta como principal objetivo que todos, independentemente da questão sexual, de género, da raça, da incapacidade física, religião e do nível socioeconómico, tenham acesso ao desporto.

Protagonismo também para a equipa de râguebi, a Dark Horses, a equipa de voleibol, os Lisbon Crows, a natação, com os Lisboa PoolSharks (que conta com 40 elementos e é o desporto com mais atletas), sendo que, no caso da natação e do râguebi, as equipas já estão ligadas às respetivas federações e, nesses espaços, disputam competições.

3. Além-fronteiras, registe-se que os Jogos Olímpicos de Tóquio foram os jogos com mais atletas LGBTQI+ (mais de 160), tendo contado com a neozelandesa Laurel Hubbard, a primeira mulher trans a competir nos Jogos Olímpicos. E as marcas não dormem perante a evolução. Citando Paul Hardart, professor de Marketing da Stern School of Business da New York University, estes atletas estão a exibir graus de coragem e autenticidade que são sempre boas características para uma marca. “É o futuro. Se falares com um rapaz de 14 anos, os direitos LGBT+ são algo básico.”

4. Verdadeiramente não sei se nascemos homens ou mulheres, ou se somos simplesmente bebés, como afirmou um atleta trans norte-americano. O que eu sinto, vejo, vou dando conta, é que o desporto vive nova mutação, quando ainda não ultrapassou, de vez, outras anteriores. E esse é o futuro incontornável. Nada que a sociedade, no seu todo, não veja e sinta. Não é tempo de, como a avestruz, enfiar a cabeça na areia, aqui entendida como incompreensão, ou mesmo preconceito ou discriminação.

josemeirim@gmail.com

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