Palmadas não ensinam ninguém: mitos e factos sobre a punição física

Os estudos têm vindo a revelar que as crianças, ao serem punidas fisicamente, podem sentir medo em relação aos pais, o que pode comprometer o seu sentido de segurança no ambiente familiar.

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A escolha da punição física pode ser influenciada por crenças culturais, que se traduzem na visão de que esta é uma estratégia aceite e benéfica para as crianças e os pais Sylverarts/iStock/Getty Images Plus

Um dos objetivos dos pais consiste em ensinar às crianças quais os comportamentos corretos a adotar para promover competências sociais, morais e de gestão das emoções que as preparam para viver em sociedade de forma adaptativa. Os pais aspiram à concretização deste objetivo da melhor maneira possível, mas enfrentam, muitas vezes, dificuldades, momentos de frustração e dúvidas sobre as estratégias disciplinares mais adequadas para lidar com os comportamentos indesejados das crianças.

Muitos pais veem a punição física como uma estratégia para lidar com aqueles comportamentos. Esta estratégia consiste no uso da força física para provocar desconforto ou dor à criança, incluindo práticas como bater com a mão ou com algum objeto, empurrar ou beliscar. Com esta estratégia, os pais pretendem que as crianças abandonem os comportamentos desapropriados e adotem condutas sociais mais adaptativas.

A escolha da punição física pode ser influenciada por crenças culturais, que se traduzem na visão de que esta é uma estratégia aceite e benéfica para as crianças e os pais. Embora reconheça a influência de vários fatores no desenvolvimento das crianças, a ciência tem vindo a questionar estes benefícios. Atualmente, algumas pessoas continuam a acreditar que as palmadas promovem o respeito pelos pais e pelas figuras de autoridade. Os estudos têm vindo a revelar que as crianças, ao serem punidas fisicamente, podem sentir medo em relação aos pais, o que pode comprometer o seu sentido de segurança no ambiente familiar.

Além de acreditarem na eficácia da punição física, alguns pais pensam que “há crianças que precisam mesmo de apanhar para aprender”, que “bater, muitas vezes, é a única solução para o comportamento” ou que “é um mal menor, para evitar um mal maior no futuro”. Sabemos que, a curto prazo, esta estratégia pode parecer eficaz porque a criança interrompe o comportamento indesejado. Todavia, a ciência diz-nos que esta estratégia possui efeitos contraproducentes a longo prazo, ao nível do comportamento desapropriado.

Os estudos mostram que as palmadas não contribuem para a interiorização das regras pela criança, nem para que esta entenda as razões pelas quais o comportamento é desapropriado. A criança apenas interrompe e, mais tarde, evita o comportamento indesejado por saber que pode ser punida fisicamente e pelo desejo de não o ser.

Por outro lado, os estudos têm evidenciado consequências negativas ao nível da aprendizagem, das competências cognitivas e atencionais. As crianças punidas fisicamente têm maior probabilidade de continuar a manifestar os comportamentos indesejados e agressivos e de o fazer com maior frequência. Consequentemente, os pais podem ter maior tendência a continuar a recorrer às palmadas para corrigirem estes comportamentos.

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As crianças punidas fisicamente têm maior probabilidade de continuar a manifestar os comportamentos indesejados e agressivos TopVectors/iStock/Getty Images Plus

A evidência científica desafia também a ideia de que “umas palmadas nunca fizeram mal a ninguém”. Os estudos têm vindo a revelar que as crianças punidas fisicamente têm maior probabilidade de ter dificuldades emocionais na idade adulta, por comparação com as crianças cujos pais recorrem a outras estratégias educativas. As crianças punidas fisicamente podem, ainda, ter mais dificuldades em estabelecer relações saudáveis e em mostrar empatia, cooperar, partilhar e ajudar os outros. Quando as crianças são submetidas a esta estratégia de forma contínua, podem aprender, através da observação e modelagem, que esta é uma estratégia útil para lidarem com os problemas. Com esta interiorização, é mais frequente que estas crianças desenvolvam comportamentos agressivos nas relações sociais e de desrespeito pelos outros e pelas regras sociais.

Em suma, a ciência mostra que a punição física tende a afastar os pais dos objetivos de ensinar às crianças regras sociais básicas e de os ajudar a gerir as emoções difíceis para que possam crescer de forma saudável. Para isso, é importante que os pais assumam o papel de educadores de forma firme, mas sensível às necessidades da criança quando esta transgride as regras. Estabelecer regras e limites consistentes que a criança consiga prever, explicar de forma clara a sua importância e as razões pelas quais certos comportamentos são incorretos ajuda a criança a tomar consciência das consequências naturais e lógicas de os transgredir. Valorizar e encorajar os comportamentos apropriados da criança aumenta a probabilidade de ela continuar a adotá-los. Com estas estratégias, os pais veem os seus objetivos atingidos de forma mais eficaz e positiva.

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