Scholz anuncia uma “nova era” na política da Defesa da Alemanha
De Berlim, o chanceler alemão, Olaf Scholz, fez um discurso de ruptura com a política alemã das últimas décadas: quem quer defender a paz “tem de ter a sua força”.
A política de Defesa alemã não será a mesma depois da invasão russa da Ucrânia. O chanceler alemão, Olaf Scholz, disse que o dia 24 de Fevereiro foi um dia que marcou uma viragem de época na História da Europa – uma “nova era” que justifica uma enorme mudança na política de defesa alemã: a ideia de que é preciso ter Forças Armadas capazes para assegurar a democracia. “Sim, nós queremos, e vamos, assegurar a nossa liberdade, democracia e prosperidade”, disse, num discurso numa sessão especial do Parlamento alemão.
É uma das maiores, talvez a maior, mudança de posição da Alemanha depois da II Guerra Mundial, depois de décadas em que se afastou de intervenções militares, com duas mudanças, a primeira no Kosovo, que marcou a quebra do tabu de envio de forças militares, e depois no Afeganistão. O discurso de Scholz aponta, no entanto, uma viragem na base: a ideia de que a Alemanha tem de ter um Exército diferente.
Scholz, que tem sempre feito questão de falar da “guerra de Putin”, distinguiu de novo entre o povo russo e o seu Presidente. Quando elogiou a coragem das pessoas que, na Rússia, têm vindo a manifestar-se contra a guerra, o chanceler alemão recebeu a maior ovação de todos os partidos, da esquerda à direita, excepto da Alternativa para a Alemanha (AfD, que alinha com o regime russo, como vários outros partidos da extrema-direita na Europa).
“Ao atacar a Ucrânia, Putin não quer só erradicar um país do mapa-mundo, quer destruir a estrutura de segurança europeia”, disse Scholz.
Perante esta ameaça, a Alemanha tem de mudar de estratégia: “Temos de nos perguntar que capacidades temos e de que capacidades precisamos para contrariar essa ameaça, hoje e no futuro”, disse. “Precisamos de forças armadas modernas, aviões, navios, e militares bem equipados”.
Para isso, o país vai ter de investir mais: “Não vamos enganar-nos: equipamento, pessoal, tudo isto custa muito dinheiro”, disse o chanceler, anunciando que o seu Governo vai investir 2% do PIB em defesa, com um fundo especial de 100 mil milhões de euros (Scholz fez um agradecimento especial ao ministro das Finanças, o liberal Christian Lindner, que concordou com a medida).
A Alemanha, notou no Twitter o editor responsável por Defesa da revista britânica The Economist, Shashank Joshi, vai passar a ser o país que mais gasta em Defesa na União Europeia.
Scholz falou ainda de medidas a mais curto prazo, como a compra de caças F-35 para substituir os Tornado, os aviões que são essenciais para o papel da Alemanha no “acordo de partilha” do nuclear no âmbito da NATO, e a médio prazo, com o plano de ser na Europa que vão ser produzidos novos aviões e carros de combate, em conjunto com parceiros europeus, em especial com França, declarou.
A decisão de enviar armamento para a Ucrânia, praticamente impensável há apenas uma semana, foi defendida com uma frase simples: “Não podia haver outra resposta à agressão de Putin”.
A Alemanha tem também de ser rápida na redução da dependência da Rússia como fornecedor de energia (o gás russo representa quase 30% do fornecimento total de energia na Alemanha, e mais de metade do fornecimento de gás). Aqui também entra a aposta nas energias renováveis, notou.
A mudança da política alemã em relação à Rússia vinha a ser feita com uma discussão sobre a política de aproximação baseada em maior cooperação económica, que Berlim esperava que pudesse levar a maior abertura e democracia na Rússia e nos países de Leste. Agora, admite-se que a política não funcionou e há fortes lamentos de que levou, sim, à dependência alemã da energia russa.
A falta de preparação do Exército foi lamentada em duas afirmações extraordinárias. Uma da antiga ministra da Defesa, Annegret Kramp-Karrenbauer, que disse estar mesmo “zangada” com o “fracasso histórico” de não ter sido possível, após 2014, tomar decisões que pudessem ter impedido uma invasão russa da Ucrânia. Outra foi do chefe do Exército Alfons Mais, que lamentou que “as opções que podem ser oferecidas aos políticos para apoiar a Aliança são extremamente limitadas”. “Estou zangado”, escreveu.
Depois do discurso de Scholz, alguns especialistas procuraram termos de comparação na História alemã, da autorização de envio de forças para o Kosovo até à “viragem na energia” pós-Fukushima da anterior chanceler, Angela Merkel. “Se isto não é uma viragem histórica, não sei o que será”, comentava Henning Riecke, da Academia Federal de Política de Segurança de Berlim.