Somos crianças apanhadas pelo lobo mau

Putin deu uma machadada mortal na boa-fé. De uma penada reforçou a ideia de que o Ocidente peca por ingenuidade, por acreditar na diplomacia e na negociação em lugar da força.

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@designer.sandraf

Ana,

A guerra começou e tudo o resto, de repente, parece irrelevante.

Nenhuma birra é tão importante como a birra contra a loucura e a megalomania de um homem — independentemente de todas as razões que levaram a que chegássemos a este ponto.

Enquanto me sento aqui a ver a guerra em directo, com a suspeita de que a ameaça do nuclear vai impedir o mundo de conseguir salvar a Ucrânia, tomo consciência de que para além da barbaridade no terreno, Putin deu uma machadada mortal na boa-fé. De uma penada reforçou a ideia de que o Ocidente peca por ingenuidade, por acreditar na diplomacia e na negociação em lugar da força. E essa é, só por si, uma terrível baixa.

Os discursos populistas que já ganhavam força nas nossas democracias vão sair reforçados, defendendo que nos tornam fraquinhos e medricas, incapazes de fazer frente aos que não olham a meios para atingir os seus fins. Que somos crianças apanhadas pelo lobo mau, porque passamos demasiado tempo a perguntar-lhe por que tinha as orelhas e os olhos tão grandes.

A bem dos nossos filhos e dos nossos netos, vamos ter de lhes provar que não é assim. Que perante o grande mal não cruzamos os braços. E para isso temos de nos preparar e prepará-los para aceitar as consequências destas sanções económicas, que vão mexer com a nossa qualidade de vida, com os nossos hábitos de conforto.

Porque, Ana, quando as coisas nos tocam na pele temos tendência para fugirmos delas. Espero não ter razão, mas, em breve, haverá quem diga que isso são lá problemas deles, como fazemos todos os dias perante tantas tragédias humanas que se passam longe dos nossos olhos. Putin conta com isso. E nós não o podemos deixar ganhar.


Querida Mãe,

É absolutamente surreal, e o facto de sentirmos este choque, de sermos tomados de surpresa por este horror é, só por si, um sinal do enorme privilégio de vivermos num país em paz e não num dos tantos lugares do mundo onde a guerra é uma certeza constante.

Mãe, esta é uma realidade nova e temos de pensar como podemos sensibilizar os nossos filhos para ela, mas também como podemos defendê-los de uma sobreexposição que só os enche de terror, sem que nada de bom resulte daí. Prometo-lhe que será sobre isso a minha próxima carta e, entretanto, vamos ser queridos, bondosos e solidários uns com os outros. Estamos todos a precisar dessa segurança.


No Birras de Mãe, uma avó/mãe (e também sogra) e uma mãe/filha, logo de quatro filhos, separadas pela quarentena, começaram a escrever-se diariamente, para falar dos medos, irritações, perplexidade, raivas, mal-entendidos, mas também da sensação de perfeita comunhão que — ocasionalmente! — as invade. Mas, passado o confinamento, perceberam que não queriam perder este canal de comunicação, na esperança de que quem as leia, mãe ou avó, sinta que é de si que falam. Facebook e Instagram.

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