Para trabalhar com os mais velhos é preciso formação
Acredito que se pode oferecer mais do que um emprego, pode oferecer-se uma carreira.
Hoje ofereço-vos uma reflexão de algo que vivi muito de perto recentemente: a educação e formação de cuidadoras de pessoas idosas. Talvez porque a educação é o meu mundo, os meus olhos tendem a ver o que se passa quase sempre relacionado com educação e formação.
No mercado existem formações para cuidadores de idosos e existem também empresas que disponibilizam serviços de cuidados a pessoas idosas. No último ano, tive o meu pai, em sua casa, entregue aos cuidados de cuidadoras, uma vez que a minha mãe já não tinha forças para cuidar dele. Os dois com 93 anos de idade. As cuidadoras, que não paravam lá mais do que uma semana, não evidenciavam preparação técnica, psicológica, nem de relações humanas, nem qualquer tipo de atenção a uma cultura que não seja a sua.
Uma vez, perguntei a uma qual era a sua função naquela casa. Respondeu-me que era vigiar o meu pai. Perguntei-lhe o que queria dizer, se seria, por exemplo, estar na cozinha e estar sempre a pensar nele; ou estar junto dele. Vigiar um idoso? Estar sempre a pensar nele? Estar sempre a olhar para ele? A verdade é que não falava com ele, não interagia e relacionava-se mal com a minha mãe. Quando o meu pai pedia para rezar o terço, como era seu hábito ao longo da vida, ria-se. Quando pedia água à minha mãe, a cuidadora dirigia-se-lhe em tom ríspido e dizia à minha mãe para se ir embora que o enervava. Quando eu o levava ao médico e a cuidadora empurrava a cadeira de rodas, embatia no passeio com força, desconhecendo que tinha de inclinar a cadeira para que as rodas pudessem subir o passeio.
Estas cuidadoras não traziam roupa própria e andavam o dia inteiro, dentro de casa, de casaco e sapatos de rua. Na primeira refeição, uma delas avisou que não comia fritos, arroz, peixe e mais umas quantas coisas. Não tinha qualquer tipo de alergia, acrescentou, mas não comia. Por isso, tinha de se fazer um menu especial para a cuidadora. Outras comiam mais do que os meus pais juntos.
Também há bons exemplos, de verdadeira empatia, cuidado e fazer o que se sabe e querer aprender para fazer sempre melhor. Só que os exemplos menos bons levam-me a pensar que a formação inicial e ao longo da vida deve ser uma constante. Além de cuidados de mobilidade, satisfação de necessidades básicas e interacção com o idoso, existe uma necessidade de ajustamento ao contexto do idoso e a com quem ele vive. Para não falar no respeito pela espiritualidade e religião do mesmo.
É de extrema importância a necessidade de formar estes prestadores de serviços com seriedade, com atenção à necessária aculturação a fazer, quando são cuidadores oriundos de países e culturas diferentes. Eu podia aqui dar muitos exemplos do que fomos vivendo ao longo de um ano, de dia e de noite, mas penso que basta os que já referi para chegar aonde quero, que é a educação e formação destas pessoas adultas, que procuram, na maioria das vezes, um emprego, qualquer, e que algumas empresas desta área recrutam, sem qualquer formação, e também não lhes acrescentam um milímetro que seja de certificação ao seu curriculum vitae. Empresas essas que se fazem cobrar por um serviço de excelência.
Acredito que se pode oferecer mais do que um emprego, pode oferecer-se uma carreira. Que se pode capacitar e ajudar a descobrir projectos de vida, permanecendo aqueles que tem como missão e sentem como benefício poderem cumprir a sua vocação de cuidadores. Sinto que a formação faz toda a diferença, para quem é cuidado, para quem está no contexto e para quem cuida. A segurança de saber o que se está a fazer e a certeza de que se está a fazer bem feito, com respeito, delicadeza de trato, bom humor, aceitação e incorporação da cultura e hábitos do idoso, deve conferir à cuidadora uma tranquilidade no dia-a-dia do seu trabalho e não um desejo que consiga um trabalho diferente.
E porque quando falamos de life long learning em adultos, dentro de empresas, este é um assunto real de como a formação para entregar o serviço que se vende é imprescindível para que este consiga ser reconhecido como uma mais-valia e não como um mal que temos que aceitar quando não está na equação outro tipo de alternativa.
Esta é uma chamada de atenção à formação de adultos e ao investimento que as empresas fazem nos seus activos mais preciosas, sem os quais não desenvolvem a sua actividade.