O Ministério do Ambiente assume que o programa Edifícios+Sustentáveis não foi desenhado a pensar na eficiência hídrica das habitações e que são “residuais” os pedidos de apoio para as poucas tipologias de intervenções previstas nesta área. Em fim de ciclo, a actual tutela do Ambiente deixa para o próximo governo qualquer medida de reforço dos incentivos à reutilização de águas dos lavatórios e chuveiros - chamadas “cinzentas” - por parte de particulares, empresas e nos edifícios públicos. Algo que, como o PÚBLICO noticiou no sábado, tem ainda muito pouca expressão em Portugal.
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Para além do custo das tecnologias disponíveis – que rondam os quatro a cinco mil euros, para regeneração e reutilização das águas consumidas por uma família em banhos e nos lavatórios – há outros factores a atrasar a disseminação da “reciclagem” de águas domésticas cinzentas. Um deles é a “racionalidade económica” do investimento, face ao preço da água potável que não cobre, em mais de metade dos municípios, o custo de fornecimento, desincentivando a poupança e, claro, a reutilização de um bem que entra em casa continuamente, salvo muitas raras excepções.
Apesar das imagens das secas cada vez mais frequentes, e da forma como isso afecta o sector que mais água consome, a agricultura, a maioria dos portugueses tende a não considerá-la como “um bem escasso”, assinalava ao PÚBLICO Ana Galvão, professora do Instituto Superior Técnico. Existem excepções, e vários leitores fizeram questão de partilhar os seus esforços de recuperar água dos banhos para as sanitas, por exemplo. Mas, no geral, a tendência para não encarar o problema é outro dos motivos que explicam que o mercado da reutilização no espaço urbano, e mais concretamente no doméstico, seja ainda incipiente, entre nós, como admitiam os responsáveis de duas empresas que comercializam este tipo de recicladores.
Legislação ultrapassada
Outra explicação para o desinteresse reside no facto de um sistema destes necessitar de alterações à rede doméstica de água e saneamento, o que só se faz numa remodelação ou em obra nova. Algo que, além do mais, pode gerar algumas dores de cabeça se, pela frente, o proprietário encontrar serviços municipais presos ao Regulamento Geral dos Sistemas Públicos e Prediais de Distribuição de Água e de Drenagem de Águas Residuais, de 1995, que nem sequer reconhecia, quando foi aprovado, o conceito de águas cinzentas, facilmente regeneráveis para usos não potáveis.
Com a ajuda do projectista, do instalador e da Associação Nacional para a Qualidade das Instalações Prediais – que elaborou especificações técnicas e certifica este tipo de instalações – as eventuais dúvidas no licenciamento são ultrapassáveis, mas para um país onde tanto se fala de economia circular, o melhor mesmo seria aprovar a revisão do regulamento, que já esteve em discussão pública em 2016, e que já previa normas para os SPRAC – Sistemas Prediais de Reutilização de Águas Cinzentas.
Questionado sobre a demora na aprovação da nova versão do documento, o Ministério do Ambiente explica que, entretanto, entrou em elaboração o Plano estratégico para o Sector de Abastecimento e Gestão de Águas Residuais e Pluviais (PENSAARP 2030) que está, segundo o gabinete de imprensa, “em fase de conclusão”. E no âmbito deste trabalho, acrescenta, “foi realizado um levantamento dos elementos adicionais a considerar na revisão do Decreto Regulamentar 23/95, de 23 de Agosto e que se encontra em curso”.
Nova consulta pública
Segundo a tutela, “a estratégia dá especial enfoque ao uso eficiente da água, nomeadamente através do aproveitamento de águas residuais tratadas, na componente de águas cinzentas para fins não potáveis e pelo aproveitamento próprio de águas pluviais, aspectos que serão considerados na revisão na Regulamentação dos sistemas públicos e prediais dos sistemas de águas”. E, na sequência disso, justifica, diversos aspectos considerados na nova estratégia para o sector terão que ser de alguma forma vertidos para a revisão do regulamento de 1995, que terá assim uma nova versão e um novo processo de consulta pública.
Nesta nova versão terão de ser incorporadas normas quanto “à utilização de origens alternativas de água, gestão patrimonial e reabilitação de infra-estruturas, sistemas públicos simplificados, renaturalização de infra-estruturas pluviais e reforço da segurança e da resiliência dos sistemas”. Mas também directrizes sobre “a circularidade e a valorização ambiental, o uso eficiente da água, as perdas de água, as afluências indevidas, a eficiência energética”, entre outras, incluindo, assinala, “a melhoria dos sistemas prediais e da eficiência hídrica e as instalações sanitárias públicas”.