Ministro da Agricultura norte-irlandês ordena fim dos controlos alfandegários no mar da Irlanda

Ainda não é certo se as autoridades portuárias vão cumprir a ordem do DUP, partido unionista que se opõe ao protocolo irlandês, anexo ao acordo do “Brexit”. Sinn Féin e Governo da República da Irlanda denunciam violação de direito internacional.

Foto
Edwin Poots tomou a decisão sem consultar o Sinn Féin, parceiro de governo do DUP Reuters/JASON CAIRNDUFF

O ministro da Agricultura da Irlanda do Norte, Edwin Poots, do Partido Unionista Democrático (DUP), ordenou a suspensão dos controlos alfandegários aos produtos agro-alimentares que chegam ao território, vindos de Inglaterra, Escócia e País de Gales, a partir da meia-noite de quarta-feira.

Às primeiras horas desta quinta-feira havia, por isso, muita incerteza nos principais portos norte-irlandeses e muitas dúvidas na imprensa britânica e irlandesa sobre se esta decisão estava ou não a ser cumprida pelas autoridades portuárias.

A BBC e o Irish Times dizem que o posto de controlo alfandegário do Porto de Belfast, na Irlanda do Norte, está a receber camiões que atravessaram o mar da Irlanda de ferry, e a operar em aparente normalidade.

A Comissão Europeia acrescentou, através de um porta-voz, que “as informações transmitidas pelos seus agentes no terreno são de que os controlos alfandegários previstos no protocolo continuam a ser realizados”.

O Belfast City Council, que emprega os trabalhadores portuários, disse apenas que vai “dialogar com os representantes e parceiros estatutários” nesta quinta-feira para “avaliar a situação”.

A ordem de Poots enquadra-se na estratégia de oposição feroz dos unionistas norte-irlandeses ao sistema regulatório aplicável à entrada de produtos na Irlanda do Norte, imposto pelo protocolo irlandês, anexo ao acordo de saída do Reino Unido da União Europeia.

O DUP insiste que a Irlanda do Norte deve manter-se alinhada com as regras aduaneiras do restante território britânico e teme que a maior proximidade económica da vizinha República da Irlanda faça crescer, a longo prazo, os apoios internos a uma reunificação política da ilha.

O protocolo irlandês foi a solução encontrada pelo Governo de Boris Johnson e por Bruxelas para responder à opção britânica de abandonar o mercado único e a união aduaneira da UE, respeitando, ao mesmo tempo, os princípios do Acordo de Sexta-Feira Santa (1998), que pôs fim a 30 anos de guerra sectária, entre unionistas e republicanos.

Para se evitar uma fronteira física na ilha irlandesa e para se manter a troca de produtos entre Irlanda do Norte (que faz parte do Reino Unido) e a República da Irlanda (Estado-membro da UE) o mais fluida possível, foi acordada a realização de controlos alfandegários aos produtos oriundos de Inglaterra, Escócia e País de Gales com destino à Irlanda do Norte.

Poots e o DUP dizem agora que os controlos alfandegários são ilegais, argumentando que o sistema regulatório definido no protocolo – e aplicado desde o dia 1 de Janeiro de 2021 – necessita da aprovação do governo da Irlanda do Norte.

O Sinn Féin, partido que integra o executivo de partilha de poder do território, rotulou, no entanto, a posição de Poots como “ilegal” e como uma “encenação”.

“Esta encenação é uma tentativa de o DUP interferir ilegalmente no direito interno e internacional. O DUP fixou as suas próprias prioridades, que são claramente contrárias às da comunidade mais alargada. Todos nós estamos focados na saúde, no emprego, na habitação e no custo de vida”, escreveu no Twitter a vice-primeira-ministra Michelle O’Neill, do Partido Republicano.

O Sinn Féin promete bloquear todas as tentativas de suspensão do protocolo ou dos seus termos e diz que esse tipo de decisões necessita da aprovação de ambos os partidos representados no governo.

A vizinha República da Irlanda também reagiu à ordem do DUP, através do seu ministro dos Negócios Estrangeiros, Simon Coveney, que sublinhou que “comprometer deliberadamente as obrigações no âmbito de um tratado é uma posição demasiado grave”. Acusou os unionistas de estarem “a fazer jogos políticos” com “obrigações jurídicas”.

Já o Governo do Reino Unido – que também se opõe agora ao protocolo que negociou e ratificou em 2019, por entender que as circunstâncias mudaram e por causa do impacto negativo da sua aplicação no mercado de abastecimento da Irlanda do Norte – garante que esta tomada de posição do DUP não foi orquestrada, mas defende que o executivo norte-irlandês tem “competência” para decidir sobre estas matérias.

A ministra dos Negócios Estrangeiros britânica, Elizabeth Truss, e o vice-presidente da Comissão Europeia, Maros Sefcovic, vão falar nesta quinta-feira ao telefone para continuarem a discutir a melhor forma de aplicação do protocolo.

“[Sefcovic] vai recordar [a Truss] que o controlo dos produtos que chegam à Irlanda do Norte, vindos da Grã-Bretanha, são um elemento-chave do protocolo”, assegurou Eric Mamer, porta-voz da Comissão, recusando comentar as notícias vindas de Belfast ou especular sobre os passos que a UE poderá dar, se os termos do protocolo deixarem se ser respeitados.

“O protocolo da Irlanda foi assinado pelo Governo do Reino Unido, que é o responsável pelo cumprimento do acordo de saída”, insistiu.

Sugerir correcção
Ler 4 comentários