Uma inundação deixou no ar uma pergunta incómoda: será que os zoos ainda deveriam existir?

Em Junho de 2015, uma grande inundação na Geórgia derrubou as paredes de um parque zoológico, lançando leões, tigres, panteras, hienas, lobos, ursos e crocodilos para as ruas da cidade. Mais de 300 animais morreram. 

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A 13 de Junho de 2015, uma catástrofe abateu-se sobre a capital da Geórgia. Chuvas torrenciais inundaram Tbilisi, criando um cenário de caos potenciado pela derrocada dos muros que separavam o parque zoológico do resto da cidade. Leões, tigres, panteras, hienas, lobos, ursos, crocodilos foram arrastados, com vida, pelas águas e ficaram à deriva na cidade, lançando o pânico entre os habitantes. Dezanove pessoas perderam a vida durante o incidente – uma delas vítima de um ataque de um tigre. "Muitas famílias ficaram sem tecto, o zoo ficou destruído e a cidade ficou em estado de choque", descreve o fotógrafo italiano Francesco Merlini nas páginas do fotolivro The Flood, que aborda, de uma perspectiva simbólica, metafórica e pessoal, “não só a experiência traumática vivida pelos animais e pelos habitantes, mas também as consequências históricas, sociais e económicas desta catástrofe”.

Merlini sempre se interessou por parques zoológicos. “Sempre me fascinaram”, disse ao P3, em entrevista. “Acredito que dizem muito acerca de um país, já que muito se pode depreender acerca de uma sociedade pela forma como essa trata os seus animais.” Já visitou parques zoológicos de quatro continentes, na Europa, África, América, na Ásia, mas o parque de Tbilisi interessou-o particularmente “pelo passado soviético e pela reputação decadente”.

Em 2018, quando visitou o parque pela segunda vez e se debruçou sobre os vestígios da tragédia no local, percebeu que eram praticamente invisíveis. Ainda assim, “a atmosfera era densa e sinistra”, descreve. O cenário no interior do parque é marcado pela presença de carrosséis decrépitos da era soviética, por estruturas velhas com pintura descascada. “A ferrugem é omnipresente.” Alguns detalhes, porém, podem ainda ser associados à tragédia, repara Merlini. “Devido à falta de infra-estruturas, animais de diferentes espécies, como zebras e cabras, coabitam no mesmo espaço”, descreve. “Os animais de porte pequeno que sobreviveram, cerca de metade da população original do zoo, vivem em cubículos pequenos e inapropriados, rodeados de grades; o seu stress e fadiga, que acredito estarem parcialmente associados à tragédia, são tangíveis nos seus olhares e nos seus movimentos nervosos no interior das jaulas.” Os animais de grande porte, relata, revelam um comportamento letárgico, resignado, enquanto miram as grades de ferro das jaulas e a fila de prédios de betão que circundam o parque.

“Os zoos já não deveriam existir nos dias de hoje”, afirma Merlini. “Nem mesmo nos países ocidentais, onde os animais vivem em grandes áreas e onde o seu bem-estar é prioritário.” O italiano acredita que as novas gerações deveriam aprender sobre biodiversidade, sobre animais e sobre a importância da sua preservação nos “incríveis documentários” que são realizados actualmente. “Mesmo que seja caro e difícil, ver animais exóticos só deveria acontecer no seu ambiente natural.”

Histórias que envolvem grandes inundações com animais como protagonistas podem soar familiares. “Certamente que poderão fazer-se algumas analogias com a história bíblica de Noé, mas aqui humanos e animais assumem papéis totalmente diferentes.” Neste caso, ressalva, os humanos são inteiramente responsáveis pela tragédia. “Os animais que viviam no zoo, que já eram vítimas, tornaram-se vítimas novamente quando o rio transbordou, os encurralou nas suas jaulas e os afogou. E Deus não tem nada a ver com esta história, embora o chefe da Igreja Ortodoxa georgiana, Ilia II, tenha afirmado, no sermão de domingo que se seguiu à tragédia, que a inundação foi causada pelos ‘pecados’ do regime comunista – que, acusou, terá construído o parque com o dinheiro angariado a partir da destruição das igrejas e do derretimento dos seus sinos.”

©Francesco Merlini
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